Lucas Jacinto / Assessoria de Comunicação da Esalq
A ciência já provou: a farinha de semente de chia é rica em proteína, fibras, ômega 3 e outros micronutrientes. No entanto, Jocelem Mastrodi Salgado, docente do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição (LAN) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, afirma que o problema está na farinha branca, a mais utilizada no mercado de alimentos. “A farinha branca é composta basicamente apenas de carboidrato, sem nenhum valor nutricional para o organismo”, explica.
Em vista disso, Tânia Baroni Ferreira Dutra desenvolveu, em sua dissertação de mestrado, no Programa de Pós-graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos, o estudo intitulado “Caracterização nutricional e funcional da farinha de chia e sua aplicação no desenvolvimento de pães”. Como o próprio nome sugere, a pesquisadora caracterizou a semente de chia quanto aos seus parâmetros nutricionais e desenvolveu pães utilizando farinha desta semente em detrimento à farinha branca de trigo, com várias concentrações de aplicação. “O estudo foi idealizado para que pudéssemos aumentar o suporte científico à literatura disponível e aos órgãos regulatórios no que tangem a segurança alimentar, composição nutricional e utilização da semente de chia no desenvolvimento de novos produtos”, afirma.
De acordo com Jocelem, os estudos do LAN apontam que, teoricamente, se uma pessoa consumir 3,5 unidades por dia do pão desenvolvido com 9% de farinha de semente de chia, o consumo de ácido graxo ômega 3 pode aumentar até 1% em sua dieta. “Isso é muito favorável para a saúde, uma vez estudos demonstraram que o aumento de 1% no consumo de ômega 3 pode reduzir até 40% o risco de desenvolvimento de doença arterial coronariana não fatal”.
Tânia afirma que não foi encontrado nenhum estudo anterior sobre o mercado de panificação voltado para a inserção da farinha de semente de chia. “A Associação Brasileira de Indústria de Panificação e Confeitaria (ABIP) divulgou recentemente o índice de crescimento das empresas de panificação e confeitaria em 2013, que foi de 8,7%, o menor dos últimos anos”. Segundo a ABIP, isso ocorreu pelo aumento nos custos dos insumos, impostos, embalagens e outros fatores envolvendo a produtividade do setor. “Este foi um dos motivos que nos levou a selecionar o setor de panificação como alvo da aplicação da farinha de semente de chia no desenvolvimento de novos produtos”, explica a cientista.
Com a mão na massa
Para construir o cenário avaliado, Tânia conta que foi realizada a caracterização da composição nutricional e funcional da farinha de semente de chia, destacando os parâmetros de interesse – fibras, proteínas, cálcio, ômega 3 e potencial antioxidante. Nesse processo de identificação, Tânia ressalta que foram realizadas diversas análises. “Para obtenção de dados específicos, realizamos análise centesimal – que engloba determinação de umidade, proteína, fibras, gordura, carboidrato análise de microtoxinas, minerais, perfil de ácidos graxos visando quantificar principalmente o ômega 3, e testes para quantificar antioxidantes e aminoácidos”.
Segundo a pesquisadora, ainda nesse processo foi possível saber exatamente a composição do alimento com o qual estava trabalhando. “No decorrer desta etapa, constatamos que a semente pode ser utilizada como coadjuvante na manutenção da saúde e bem estar por conta da qualidade das substâncias avaliadas”. Segundo Tânia, os números surpreendem. “A semente de chia é composta por 22% de proteína, 28% de fibras, 15% de ômega 3 e de 525mg/100mg de cálcio, entre outros”.
Depois dessa etapa, a farinha da chia foi aplicada em três formulações diferentes na produção de pães. Segundo Tânia, foram produzidos pães com aplicação das taxas de 3, 6 e 9% de farinha de chia. “Nestas formulações também foram realizadas análises microbiológicas, de digestibilidade, de sensorial e de aceitabilidade por provadores não treinados”.
De acordo com a cientista, os testes sensoriais e de aceitabilidade foram feitos com base na comparação do pão tradicional em relação aos produzidos com diferentes concentrações de farinha de chia. “Os provadores participantes receberam amostras codificadas dos três pães e os compararam com o pão padrão. Os resultados mostraram que não houve diferença estatística significativa entre as amostras e o pão sem adição de farinha de semente de chia. Esse é um excelente resultado, pois significa que todas as amostras desenvolvidas foram igualmente bem aceitas pelos provadores no mesmo nível de aceitação do pão tradicionalmente consumido”, explica.
Ainda em relação aos testes com os provadores, Tânia aponta que, as melhores notas de analise sensorial foram direcionadas para a amostra com taxa de 6% de farinha de chia. “Essa formulação poderia ser considerada fonte de fibras pela legislação atual. Por isso, acreditamos que essa seria a melhor concentração para aplicação na indústria, uma vez que o produto desenvolvido com essa porcentagem apresentou aproximadamente 65% mais ômega 3, 78% mais fibras, 13% mais proteínas, 12% mais digestibilidade, 27,7mg/100mg mais cálcio, 20mg/100mg menos sódio, 15% menos carboidratos e 8% menos calorias do que o pão tradicional”, afirma.
Tânia afirma que os resultados revelados pelo estudo foram muito satisfatórios. “Observamos que o perfil de aminoácidos da farinha de chia pode ser comparado ao da soja, hoje tida como referência proteica vegetal, e encontra-se dentro dos valores recomendados pela Food and Agriculture Organization (FAO). Além disso, observamos que 25 g dessa semente possui 23% da ingestão diária recomendada de fibras e 3,8 g de ômega 3”. Ainda segundo a pesquisadora, em relação aos pães desenvolvidos, o estudou revelou que os teores dos compostos de interesse aumentaram conforme maior concentração de farinha de chia adicionada às formulações. “Isso demonstra que os pães desenvolvidos, independentemente das concentrações adicionadas, apresentaram melhor perfil nutricional quando comparados ao pão produzido apenas com farinha de trigo”.
Contraponto
Outro fator revelado pelo estudo, no entanto, traz um contraponto aos resultados. O custo do produto com 6% de farinha de chia na formulação custaria cerca de 68% a mais do que o pão padrão. “Apesar dessa diferença, hoje notamos a existência de consumidores que buscam mais por produtos funcionais e que estão conscientes de que o custo das matérias primas saudáveis podem alterar o preço do produto final. Estes consumidores compreendem também os benefícios à saúde atrelados a esses produtos, o que faz valer o preço”, conclui.
No entanto, Jocelem Mastrodi Salgado afirma que ainda há resistência quanto ao consumo de alimentos como pão, macarrão e bolos produzidos de forma alternativa aos tradicionais. “Os alimentos integrais aumentaram sua participação no mercado, mas ainda representam a minoria quando comparados aos fabricados exclusivamente com farinha branca. Isso ocorre por diversos fatores, entre eles o padrão sensorial discrepante, pois não são todos os consumidores que apreciam produtos integrais, tanto pela cor, consistência ou sabor”, explica.
Tânia também aponta que o consumidor deve ficar atento às quantidades de proteínas e fibras presentes nos produtos integrais, os quais não podem estar em quantidades muito pequenas dependendo do foco da alegação nutricional do produto. “Outro fator a ser analisado pelo consumidor é a ordem em que cada insumo aparece na lista de ingredientes. Ela deve ser sempre descrita na sequência do que apresenta maior quantidade na formulação para o menor”, comenta. “Em todos os produtos é possível ter uma ideia da proporção de cada ingrediente na formulação, inclusive da farinha de chia nos pães já disponíveis no mercado. Se ela estiver citada como um dos últimos itens, provavelmente não está adicionada na formulação em quantidade suficiente e adequada para garantir seus benefícios”, conclui.