Estudo da FMRP desvenda mecanismo de defesa contra Leishmaniose

Estudo explica como organismos de mamíferos debelam infecção por um protozoário do gênero Leishmania.

Rita Stella / Assessoria de Comunicação do campus de Ribeirão Preto

Pesquisa, realizada nos laboratórios da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, revela os processos intracelulares ocorridos em células de defesa de hospedeiros, em resposta à infecção pelo parasita da leishmaniose. A doença no Brasil é conhecida como Calazar e “barriga d’água”.

O líder da equipe, professor Dario Simões Zamboni, conta que já era conhecida a ação do óxido nítrico para a morte do protozoário. O óxido nítrico é uma molécula que cumpre uma infinidade de funções no organismo. No sistema imunológico, é uma arma importante na defesa contra micróbios que causam doenças. O que ainda não se sabia era como as células reconhecem a doença e ativam determinadas vias de sinalização que levam à produção de óxido nítrico durante a leishmaniose. Esse estudo, coordenado por Zamboni, investigou, tanto in vitro quanto em animais vivos, o efeito da Leishmania em células de defesa (macrófagos) de camundongos.

Quando o organismo é atacado pelo protozoário que causa essa doença, os macrófagos o “fagocitam” (levam o patógeno para dentro dessas células). “Existe uma plataforma molecular que reconhece a Leishmania no interior dos macrófagos e sinaliza para o sistema imune, informando que se trata de uma infecção por um patógeno que pode causar danos ao organismo”, explica o pesquisador. O macrófago então ativa essa plataforma, chamada inflamossoma, que é composta por várias proteínas que estão no citoplasma da célula. A seguir, o inflamossoma induz a produção de outra molécula, a interleucina 1-beta (IL-1ß).  Como uma mensageira imunológica, a IL-1ß se liga a receptores celulares que orientam o macrófago a produzir óxido nítrico e matar a Leishmania. Esse processo, afirma o pesquisador, “leva à resistência dos mamíferos frente à leishmaniose”.

O achado dos pesquisadores de Ribeirão Preto é hoje festejado pela comunidade científica nacional e, pela importância, acaba de ser publicado pela revistaNature Medicine, em edição online do último dia 9 de junho. Essa é a primeira vez que se descreve como esse mecanismo acontece – desde a fagocitose daLeishmania, até a morte pelo óxido nítrico. “Colocamos algumas peças importantes nesse complexo quebra-cabeça que é a leishmaniose”, comenta Zamboni, já que até então só se conhecia alguns detalhes desse processo.

Resistência imunológica

Ao mostrar como as células de defesa de um mamífero, hospedeiro da Leishmania, fagocitam e matam o parasita, os cientistas  dão um passo muito importante para o entendimento da resistência imunológica durante a leishmaniose. Como os experimentos também utilizaram animais vivos, conseguiram comprovar que, quando o animal infectado com a Leishmania tem alguma deficiência nos genes do inflamossoma ou na sinalização por IL-1ß, ele apresenta uma doença muito mais grave. É que o sistema imunológico falha no controle da infecção.

Apesar de terem estudado camundongos, eles acreditam que o mesmo mecanismo aconteça com os homens, uma vez que estudos realizados por outros grupos indicam que seres humanos com mutações nos genes que realizam a sinalização por IL-1ß têm uma forma muito mais grave da doença.

Além de ajudar na compreensão de respostas imunológicas, a pesquisa aponta armas para uma doença que acomete mais de 12 milhões de pessoas no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Zamboni explica que aLeishmania está entre os parasitas que oferecem os maiores problemas à saúde pública humana. A doença está presente em diversos países de clima tropical, como a populosa Índia, países do Oriente Médio, da África e América Latina, incluindo o Brasil. Segundo o Ministério da Saúde do Brasil, no período de 1991 a 2010, um dos tipos de leishmaniose, a tegumentar americana, apresentou média anual de 27.374 casos. Ao longo desse período, observou-se uma tendência no crescimento da endemia. Atualmente, ela faz vítimas em todos os estados brasileiros.

A leishmaniose é transmitida pela picada de um pequeno inseto de cor amarelada, o flebotomíneo, e tem diversos mamíferos como hospedeiros. Um problema particularmente grave para a leishmaniose visceral humana, outro tipo frequente no Brasil, é a infeção de cães. Como portadores da doença, os cães infectados podem ser picados pelo inseto transmissor e posteriormente picar os seres humanos, transmitindo a doença.  Como o cachorro acompanha o homem, ao se mudar de áreas endêmicas para outras regiões do país, o animal traz consigo o parasita.

A equipe de Zamboni observou que o mecanismo de controle da infecção dependente do inflamassoma e IL-1ß funciona para três espécies de grande incidência no Brasil, a Leishmania amazonensis, Leishmania brasiliensis, causadoras da leishmaniose tegumentar (feridas indolores na pele ou mucosas do indivíduo afetado), e a Leishmania infantum chagasi, responsável pela forma visceral, considerada o tipo mais grave, pois ataca o fígado, o baço e medula óssea.

Saber como as células do corpo reconhecem parasitas e porque algumas pessoas são resistentes e outras apresentam um quadro de doença muito ruim é importante para a busca de tratamentos ou vacinas. Para tratar a leishmaniose hoje, a medicina usa drogas que atuam no parasita. Nesse sentido, o investimento em ciência e tecnologia por meio de investigação cientifica pode gerar mais conhecimentos acerca da doença e de como o sistema imune opera para levar os indivíduos à resistência. “Com esse conhecimento em mãos, poderá ser possível desenvolver vacinas eficazes, além de modular determinados processos para melhorar a imunidade dos indivíduos levando ao controle da doença”, afirma o cientista.

Mais informações: (16) 3602-3265, email dszamboni@fmrp.usp.br

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