Pesquisa do IP discute caráter de verdade e realidade das fotografias

A tese de mestrado de Rahel Patrasso da Silva, "Além do visível: a fotografia e a óptica da psicanálise", defendida em 13 de dezembro de 2012 e orientada pela professora do Departamento de Psicologia Clínica Maria Lúcia de Araújo Andrade, procurou fazer uma interlocução entre a fotografia e a psicanálise, para discutir o caráter de verdade e de realidade das imagens fotográficas.

Victor Augusto de Souza / Assessoria de Comunicação do IP

A tese de mestrado de Rahel Patrasso da Silva, “Além do visível: a fotografia e a óptica da psicanálise”, defendida em 13 de dezembro de 2012 e orientada pela professora do Departamento de Psicologia Clínica Maria Lúcia de Araújo Andrade, procurou fazer uma interlocução entre a fotografia e a psicanálise, para discutir o caráter de verdade e de realidade das imagens fotográficas.

Rahel é fotógrafa e formada em Psicologia. Obteve, em 2005, o título de especialista em Psicologia Clínica pela USP com o trabalho “O feminino, a literatura e a sexuação”, e em seu mestrado “seguiu a esteira deste enlace entre subjetividade, produção discursiva e cultura”: “Sempre me pareceu curioso que, apesar de Freud, em sua primeira descrição do aparelho psíquico (no livro A Interpretação dos Sonhos, de 1900), afirmar textualmente que o psiquismo funciona no seu modo de apreensão da realidade exatamente como um aparelho óptico, tal como a câmera fotográfica, e ter utilizado a fotografia como metáfora do inconsciente por quase 40 anos, não é fácil encontrar textos de psicanalistas sobre fotografia”, diz.

Segundo Rahel, “a discussão sobre o caráter de realidade contido em uma imagem fotográfica permeia a própria história da fotografia”. Como exemplo disso, na introdução da tese somos apresentados à Hippolyte Bayard, que fez um “Autorretrato como afogado” para denunciar o caráter ilusório da fotografia, e à Willian Henry Fox Talbot, que acreditava ser a fotografia uma maneira da natureza representar-se a si mesma. Por sua vez, a articulação entre a fotografia e a psicanálise parte do entendimento de que a primeira é um “efeito de linguagem” e, portanto, está submetida às mesmas leis que descrevem a linguagem. Para fazer essa costura e desenvolver o que a autora chamou de “a ótica da psicanálise”, são utilizados, além da comparação de Freud do aparelho psíquico com o aparelho óptico, os conceitos de “Real”, “Simbólico” e “Imaginário”, de Jacques Lacan: “Quando grafamos Real com maiúscula nos referimos ao registro do Real, que, de acordo com Lacan, especifica-se como aquilo que resiste ou escapa a linguagem e à possibilidade de simbolização. Traduzindo: na acepção da psicanálise, de acordo com Freud e Lacan, a realidade não é acessível de maneira direta e o Real é o impossível”. O entendimento de que a apreensão da verdade é “não toda”, ou, nas palavras de Lacan, de que “toda verdade é o que não se pode dizer. É o que só se pode dizer com a condição de não levá-la até o fim, se fazer semi-dizê-la”, também será fundamental para a discussão que vai se seguir.

A foto que era mentira?

Após a discussão teórica, o trabalho vai se centrar nas controvérsias que a foto de Kevin Carter, vencedora do prêmio Pulitzer de 1994, provocou. A foto mostra uma criança subnutrida observada por um abutre; o fotógrafo foi criticado por, supostamente, ter deixado-a à espera da morte certa depois de tirar sua foto, e cometeu suicídio no mesmo ano em que ganhou o prêmio. O jornal espanhol El Mundo produziu um documentário sobre a questão, chamado “Kong Niong, el ninõ que sobrevivió al buitre”, mas que aparece no Youtube com o nome “La foto que era mentira”. Rahel vai fazer dessa assertiva uma pergunta – a foto que era mentira? – para poder discutir o estatuto de verdade da fotografia: “O que é interessante é que toda a polêmica em torno desta imagem se especifica no que esta para além do visível, daí o título do meu trabalho”.

O documentário, já no seu nome, esclarece que a criança sobreviveu. Rahel traz outros elementos: “A imagem mostra apenas uma criança e um abutre. Nada na imagem mostra uma menina prestes a ser devorada por um abutre, aliás, se você olhar bem, vai ver que no bracinho ela tem uma pulseira de identificação da ONU. Esta foto foi feita em um centro de alimentação, de ajuda humanitária. Nesta foto desloca-se o contexto do centro de alimentação e condensam-se elementos que podem ser interpretados, mas veja bem, ‘podem’ ser interpretados, como uma criança morrendo de fome prestes a ser devorada por um abutre faminto”. Os sentidos foram atribuídos à foto posteriormente e toda discussão ética que se seguiu, também, Ou, como disse Luis Davilla, fotógrafo que esteve no mesmo centro de alimentação três meses depois de Carter, “nesta imagem Carter apenas fez um recorte e nos presenteou com o significante; o significado nós mesmos colocamos, espectadores ocidentais que somos, atormentados por nossa suja consciência e por problemas de obesidade generalizada, desde a infância”.

“A fotografia funciona como qualquer outra forma de representação e de linguagem, produzindo um hiato em relação à realidade. Como semblante nos faz crer que há algo ali onde não há. Isso faz com que cada imagem produza uma sequência que comporta um aquém e um além do que pode ser representado, e desta forma não pode ser um representante direto da verdade”, afirma Rahel. Mas tampouco é uma mentira: é justamente pelo fato da verdade ser “não toda”, da fotografia, como linguagem, ser incapaz de dizer tudo, que ela não é simplesmente “o suporte de uma acepção ideológica, porque necessariamente aponta para um além e um aquém do visível”.

Mais informações: site www.ip.usp.br

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