Relatório mostra como o IML contribuiu com o regime militar

Apresentado em debate, documento revela detalhes dos laudos falsos fornecidos pelo Instituto Médico-Legal de São Paulo, durante a ditadura militar, para confirmar a versão oficial da morte de opositores políticos

“Meu pai cumpria ordens”

O médico-legista Orlando José Bastos Brandão foi autor de 11 laudos necroscópicos fraudulentos durante a ditadura militar, de acordo com o relatório da Associação Paulista de Saúde Pública.

Policiais na Cidade Universitária em 1967 | Acervo AE
Policiais na Cidade Universitária em 1967 | Acervo AE

Um desses laudos se refere ao corpo do estudante de Geologia da USP Alexandre Vanucchi Leme, preso em 16 de março de 1973 por agentes do DOI-Codi de São Paulo e morto sob tortura. O atestado de óbito, assinado por Brandão e por Isaac Abramovitc, confirmou a versão oficial dos militares, segundo a qual Vanucchi Leme teria se atirado sob um veículo na rua Bresser, em São Paulo. De acordo com o filho do legista, Ronaldo Brandão, hoje com 47 anos e formado em Administração de Empresas, Orlando Brandão morreu em 26 de agosto de 2011, embora o relatório, datado de 2014, o cite como vivo.

Para Ronaldo Brandão, ao fraudar os laudos, seu pai obedecia a ordens superiores. “Ele sofreu pressões, havia muita interferência política no IML (Instituto Médico-Legal)”, diz o filho do legista. “Se ele não obedecesse, seria mandado embora, teria ficado desempregado.”

Ainda de acordo com Ronaldo Brandão, Orlando Brandão era um homem “honesto, honrado, trabalhador”. “Ele não participou diretamente de torturas”, diz, acrescentando que o médico quase não comentava em casa o seu trabalho no IML. “Ele sempre trabalhou honestamente, sem fazer mal a ninguém.”

Comissão vai recuperar memória da saúde pública

No debate realizado no dia 31 de março, na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, o professor Carlos Botazzo anunciou a criação da Comissão de Memória e História da Saúde Pública em São Paulo, ligada à Associação Paulista de Saúde Pública (APSP) e formada por professores e estudantes da FSP.

Estudantes presos na Faculdade de Medicina da USP em 1977 | Foto: Reginaldo Manente / AE
Estudantes presos na Faculdade de Medicina da USP em 1977 | Foto: Reginaldo Manente / AE

Segundo Botazzo, essa comissão terá o objetivo de recuperar a memória da saúde pública em São Paulo. Para isso, ele prevê pelo menos três projetos de investigação da comissão. Um deles se refere ao estudo das atas das reuniões da Congregação da FSP ocorridas durante o regime militar. “Precisamos saber de que maneira foram tomadas decisões como o afastamento de professores, por exemplo.”

Outro tema a ser estudado pela comissão diz respeito ao movimento estudantil – suas atividades e a repressão que sofreu, inclusive por parte da Universidade. Já o terceiro tema se relaciona com os prejuízos causados pela interrupção de pesquisas provocada pela aposentadoria compulsória de professores. “A professora Elza Berquó fazia trabalhos inovadores na área de demografia e saúde e o professor Luiz Hildebrando foi ser diretor do Instituto Pasteur de Paris”, exemplifica Botazzo. “Isso já dá ideia do que o Brasil perdeu com a repressão.”

Roberto C. G. Castro / Jornal da USP

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