Desafios e oportunidades permeiam diálogo entre medicina e computação

A busca por construir caminhos unindo essas duas áreas do conhecimento mobiliza pesquisadores em todo o mundo.

“Médicos, engenheiros e cientistas da computação precisam se mover ao mesmo tempo e de forma coordenada. É como uma dança”, revelou Sameer Antani, do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH). O pesquisador esteve no Brasil de 22 a 25 de junho para participar do Simpósio Internacional de Computação Aplicada a Sistemas Médicos (IEEE International Symposium on Computer-Based Medical Systems – CBMS 2015).

Realizado pela primeira vez na América Latina, o evento reuniu cerca de 100 pesquisadores de 19 diferentes países no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, onde aconteceram as palestras, apresentações de artigos científicos inovadores e de painéis de debate durante os três primeiros dias do Simpósio. Já a apresentação de trabalhos de pós-graduação em andamento e os minicursos voltados à qualificação profissional marcaram o encerramento do evento na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

Para Antani, o evento foi uma excelente oportunidade para que médicos e profissionais da área de computação aprendessem juntos. “Os engenheiros e cientistas de computação estão construindo ferramentas para os médicos, mas os médicos precisam entender as limitações dessas ferramentas”, explicou.

Foto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC  Rangayyan (à esquerda), professora Agma Traina e Gutierrez
Foto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC
Rangayyan (à esquerda), professora Agma Traina e Gutierrez

Para Rangaraj Rangayyan, da Universidade de Calgary, do Canadá, há muitos desafios a serem enfrentados para que as técnicas da computação sejam aplicadas de forma mais ampla na medicina, apesar de profissionais de computação e de médicos estarem em busca de um único propósito: encontrar melhores formas de diagnóstico e de tratamento. “É preciso que engenheiros e cientistas de computação entendam o que os médicos precisam, o que os pacientes precisam e como devemos interpretar os sinais médicos em imagens, por exemplo”, disse.

“Nós temos muitas ideias sobre como podemos usar boas técnicas de computação para analisar imagens médicas, mas não sabemos como é a vida do médico, quanto tempo ele leva para analisar um caso, de quais ferramentas ele necessita e quanto tempo ele dispõe para nos ajudar. Por isso, é muito bom estar aqui tentando construir essa relação”, completou Leonard Rodney Long, que também é pesquisador no NIH.

Relação de mão dupla

Rangayyan citou como exemplo as pesquisas que realiza em busca da detecção precoce de câncer em mamografias. Em um primeiro momento, os radiologistas explicam para os profissionais da área de computação como o câncer se apresenta nas mamografias, com o que ele se parece. Depois, esses profissionais precisam traduzir isso em algoritmos, que são uma sequência de comandos passada para o computador a fim de definir uma tarefa. É assim que as máquinas são treinadas para reconhecer os sinais do câncer. O próximo passo é mostrar os resultados computacionais alcançados para os radiologistas, que vão ver se a ferramenta criada funciona de fato. “É um ciclo que requer toda uma comunicação e interação”, completou o pesquisador.

Foto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC  Uma das coordenadoras gerais do Simpósio, professora Agma Traina, do ICMC, durante a abertura do evento
Foto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC
Uma das coordenadoras gerais do Simpósio, professora Agma Traina, do ICMC, durante a abertura do evento

“Não é só a computação que precisa entender a medicina, mas a medicina tem que entender a computação também. Se não tivermos essa relação, não vai ter conversa e vamos continuar separados”, ponderou o professor Caetano Traina, do ICMC. Na visão de Traina, falta compreensão sobre as limitações e imposições da tecnologia. “As pessoas costumam acreditar que se o computador falou, está falado. Esse é o perigo, porque não enxergamos as limitações dos sistemas. É por isso que muitos médicos têm receio de serem confrontados com o resultado de uma ferramenta computacional”, explicou o professor.

Por outro lado, devem ser levadas em conta as consequências do uso da tecnologia: “Por exemplo, se um hospital está informatizado, os procedimentos já estão padronizados. Não adianta o médico querer fazer anotações na margem, pois o prontuário em papel já não existe mais”, detalha Traina.

Apesar do potencial de provocarem sensações desagradáveis, a tecnologia, na maior parte das vezes, traz consequências positivas. “Hoje, na base de dados do Incor, temos informações de 1,3 milhões de indivíduos. Todas as informações relacionadas à assistência a um paciente estão lá: resultados de exames, procedimentos e medicamentos prescritos, imagens médicas e os nomes dos profissionais de saúde que o atenderam. Esses dados também são utilizados nos nossos protocolos de pesquisa”, revelou Marco Gutierrez, diretor do Serviço de Informática do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).

Foto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC  Long, do NIH, também participou do Simpósio
Foto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC
Long, do NIH, também participou do Simpósio

A vastidão dessa base de dados possibilita aos pesquisadores investigarem, por exemplo, o efeito do uso de novos medicamentos, já que é possível acompanhar os eventos que aconteceram com o paciente a partir do momento em que o medicamento foi administrado, verificando os efeitos em seus exames laboratoriais e de imagem. Mas essa não é a realidade na maioria dos hospitais brasileiros. Segundo Gutierrez, menos de 15% dos hospitais do país estão totalmente automatizados em termos de sistemas de informação. Nos Estados Unidos, o pesquisador avalia que esse índice está em torno de 30% a 40%.

Para Gutierrez, o grande desafio é que o investimento necessário para informatizar um hospital é muito alto: “Os hospitais brasileiros investem menos de 1% do seu faturamento anual líquido em informática. Na Europa, os grandes hospitais investem em média 5%. Mas acredito que, com o aumento da demanda e de empresas especializadas nessa área, esse índice deve aumentar no futuro”. Além disso, o diretor também reconhece a necessidade de fortalecer a relação entre profissionais da área de informática e médicos. “A área da saúde ainda requer muito esforço do ponto de vista do desenvolvimento de novas soluções. Simpósios como esse são fundamentais para oxigenar nosso pensamento”, finalizou Gutierrez.

O CBMS foi realizado pelo ICMC, pela FMRP e pelo Institute of Electrical and Electronic Engineers (IEEE), a maior organização profissional do mundo em computação. No próximo ano, o evento acontecerá em Belfast, na Irlanda do Norte.

Denise Casatti / Assessoria de Comunicação do ICMC

Mais Informações: site www.gbdi.icmc.usp.br

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