Açúcar foi crucial para consolidação de Santos como cidade, revela pesquisa da FFLCH

Historiador da FFLCH discute a importância do açúcar para a consolidação de Santos como uma cidade.

Paloma Rodrigues / Agência USP de Notícias

O comércio do açúcar foi fundamental na consolidação da cidade de Santos. A exportação do produto foi um dos pilares responsáveis pela elevação de Santos à cidade (1839), pois urbanizou a parte insular da cidade e atraiu imigrantes nacionais e internacionais. O historiador Ricardo Felipe Di Carlo, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, analisou documentos e registros da região entre os anos de 1775 e 1836. “O conteúdo era muito rico: levantamentos demográficos — espécies de censos da época — eram feitos ano a ano e me deram uma boa dimensão das transformações pelas quais a região passou”, diz Di Carlo.

As vilas eram subdivisões inferiores às subdivisões das cidades. A vila de Santos sempre foi peculiar por abrigar o porto, um dos mais importantes da época. Tanto o perigo da pirataria como a ameaça oferecida pelos conflitos com os espanhóis aumentaram a importância da questão militar na vila de Santos. O fato de já ser um porto de relativa vazão despertou a necessidade de se abrigar na região tropas costeiras, porque a movimentação econômica no entorno das mercadorias chamavam atenção e mereciam os cuidados da Coroa de modo a não permitir roubos e furtos.

Essa movimentação e organização gerou a necessidade de elevar a vila para o quadro de cidade. Esse ponto foi defendido por Di Carlo em sua dissertação Exportar e abastecer: população e comércio em Santos, 1775-1836 e complementa a versão oficial de que a elevação tinha ocorrido para homenagear os irmãos Andrada, filhos ilustres da região que tiveram papel decisivo no processo de independência do Brasil — José Bonifácio de Andrada, patriarca da independência, morrera em 1838.

“Eu tento provar que a homenagem não foi o único motivo. Santos tinha se desenvolvido e se urbanizado, ela ganhou um porte muito maior. Por isso também ela foi elevada à condição de cidade”, explica. A pesquisa de mestrado teve a orientação do professor Carlos de Almeida Prado Bacellar, também da FFLCH.

População

Os domicílios começaram a se organizar em torno do açúcar. “Os escravos e também os pequenos domicílios passaram, cada vez mais, a trabalhar como estivadores, vendedores e artesãos, ou seja, atuando em atividades urbanas”. O que Di Carlo notou é que, antes do açúcar, as atividades na região eram ligadas basicamente à agricultura e depois passaram a se vincular ao comércio e aos serviços.

Essa perspectiva foi responsável pela migração em massa para a cidade na época. O crescimento demográfico da cidade foi maior que o restante de toda a capitania de São Paulo para as duas primeiras décadas do século 19. “Ficou claro que esse crescimento não foi natural, a população recebeu muita gente de fora”, aponta. Neste ponto também é válido ressaltar a atuação dos comerciantes estrangeiros na região, que passam a atuar como embaixadores, sob o título de “vice-cônsul”. O comércio era sua prioridade, mas em segundo plano estavam as questões políticas. Mais tarde, eles se tornam os principais comerciantes de Santos, demonstrando uma clara internacionalização do porto nos idos de 1830.

Outra mudança gerada pelo mercado açucareiro foi o início da concentração de renda. “Começaram a surgir proprietários de terras que eram agricultores e comerciantes ao mesmo tempo. Eles tinham escravos no plantio, mas também tinham ideais imobiliários”, explica. Isso representou uma mudança na concepção de Santos, pois agora a elite avançava de modo a aumentar a área urbana da região, não mantendo a estrutura ruralista anterior.

A população começa a movimentar o mercado interno, consumindo os produtos que chegavam do exterior graças à abertura dos portos — decretada em 1808, logo após a chegada da família real no Brasil. Essa era uma realidade da pequena elite santista. “Desenvolvia-se, assim, a dinâmica do exportar e abastecer, o título da obra”.

Apesar das boas perspectivas de vida na cidade, composta principalmente por mulatas livres, Santos tinha disparidades sociais muito grandes. Um exemplo disso é o fato de 40% de seus habitantes serem escravos, sendo Santos o principal porto escravagista brasileiro.

Mais informações: email ricardo.carlo@usp.br, com Ricardo Felipe Di Carlo

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