Brasil, Argentina e México discutem crise na mídia e nas universidades

Como enfrentar a crise na mídia e nas universidades públicas é o tema de seminário que reúne pesquisadores de Brasil, Argentina e México na USP.

Como enfrentar a crise na mídia e nas universidades públicas? Esse questionamento é o tema do seminário “Espaços Culturais de Confronto Político na América Latina: Brasil, Argentina e México”. Professores e pesquisadores de universidades públicas desses países se reúnem na USP

O que está por trás da crise econômica e política que atinge a imprensa e as universidades da América Latina? A questão será discutida no seminário Espaços Culturais de Confronto Político na América Latina: Brasil, Argentina e México. Nesta quinta e sexta-feira, dias 12 e 13, pesquisadores de universidades desses países vão debater e refletir sobre a atuação da imprensa e das universidades na sociedade contemporânea. Também vão abordar a influência de intelectuais públicos como os brasileiros Marilena Chauí e Gilberto Freyre e o mexicano Octavio Paz, entre outros, na formação de opinião. Promovido pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU), o evento será apresentado no auditório do Centro Universitário Maria Antonia (Ceuma) da USP, na Vila Buarque, centro de São Paulo.

“Decidimos reunir pensadores do Brasil, Argentina e México porque estamos vivendo problemas semelhantes na atual crise econômica e política”, observa o professor Sergio Miceli, docente do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e coordenador do evento. “Problemas que vêm atingindo os espaços culturais, especialmente a imprensa e as universidades.”

O seminário, segundo observa Miceli, tenciona abordar os espaços estratégicos da atividade cultural nos quais se confrontam os protagonistas institucionais e os grupos profissionais especializados, em competição por influência política e por legitimidade simbólica.

No decorrer de dois dias, serão apresentadas três mesas. A primeira, “Indústria cultural e imprensa”, destaca a crise dos meios tradicionais de comunicação abalados pelo avanço da internet e das redes sociais. “Nos últimos anos, a imprensa está ameaçada pelo declínio dos leitores e da publicidade”, observa Miceli. “Acredito que a hiper-reação da imprensa, com capas e chamadas agressivas, tem a ver com essa fragilidade. Tanto no Brasil como no México e na Argentina, o controle da mídia é monopolizado por famílias que se defendem com o mesmo discurso semifabricado na defesa da liberdade de imprensa.”

Foto: George Campos / USP Imagens
Foto: George Campos / USP Imagens

Os estudiosos vão abordar algumas linhas de força para a inteligibilidade dos conflitos, lutas e contradições por que estão passando as mídias impressa e eletrônica dos três países, bem como a visão de conjunto de morfologia empresarial e monopolística desses empreendimentos, como as redes televisivas Globo e Grupo Clarin. “Vamos debater qual a realidade da atuação da mídia, como ela está funcionando entre a internet e as redes sociais. Vale lembrar que, no ano passado, os movimentos de protesto durante a copa e durante as eleições foram deflagrados pelas redes sociais. A imprensa foi a reboque, sendo muito hostilizada.”

A mesa contará com a participação dos expositores Mirta Varela, professora da Universidade de Buenos Aires, e Marcelo Ridenti, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que farão um panorama atual do declínio dos meios de comunicação. Também Álvaro Morcillo, professor do Centro de Investigação e Docência Econômica, do México, vai relatar o cotidiano da imprensa em seu país. A coordenação desse debate é do professor Sergio Miceli.

 

Intelectualidade

A influência dos intelectuais públicos na formação de opinião é o tema da segunda mesa. Será apresentado pelos professores Jorge Myers, da Universidade Nacional de Quilmes, na Argentina, Christopher Domínguez Michael, do El Colegio de México, e André Singer, da USP. O coordenador e debatedor da mesa é Carlos Altamirano, professor da Universidade Nacional de Quilmes. “Essa mesa pretende apresentar uma análise sobre expoentes latino-americanos no âmbito da intelectualidade que se relacionam com a mídia e participam das políticas públicas. Entre outros, destaca-se a atuação de Marilena Chauí, Fernando Henrique Cardoso, José Arthur Gianotti, Octavio Paz, Enrique Krauze, Halperin Dongui e Beatriz Sarlo”, esclarece Miceli.

A terceira e última mesa apresenta o tema “Universidade, ciências humanas, tensões institucionais e disciplinares”. Sob a coordenação da professora Maria Arminda do Nascimento Arruda, pró-reitora de Cultura e Extensão Universitária da USP, esse debate destacará o sistema universitário e a sua importância na educação no México, Argentina e Brasil. “O seminário é uma grande oportunidade para refletir sobre questões que estão no cotidiano da América Latina”, observa Maria Arminda. “Todos os temas incluídos na programação são recorrentes em diversos debates. É muito importante que a Universidade de São Paulo contribua com um olhar acadêmico e sociológico”, explica. Os expositores da mesa serão os professores Alejandro Blanco, da Universidade Nacional de Quilmes, Guillermo Palacios, do El Colegio de México, e Ana Maria Fonseca de Almeida, da Unicamp.

Miceli lembra a questão da crise econômica na USP, noticiada pela mídia. “É incrível a forma como os professores foram o alvo da mídia e criticados pelos seus salários como se fossem os corruptos da Operação Lava-Jato”, observa com indignação. “O que será que está em jogo? Será uma defesa do ensino privado? Os jornais esquecem de considerar, por exemplo, a importância da produção científica das universidades públicas brasileiras.”

A análise de Ana Maria Fonseca de Almeida, da Unicamp, vai refletir sobre os efeitos da expansão de vagas e das ações afirmativas sobre a inclusão social nas universidades públicas. “A minha apresentação apoia-se sobre a análise das características sociais dos estudantes que ingressaram em quatro universidades paulistas – USP, Unicamp, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade Federal do ABC (UFABC) – em 2012, para mostrar que elas receberam um número significativo de jovens oriundos de famílias com menor renda e sem diploma de ensino superior”, esclarece a professora. “O formato institucional da expansão fez com que esses jovens continuassem a ser dirigidos para os cursos menos prestigiados, impulsionando forte segmentação interna, que associa origem social e itinerários de carreira. A UFABC é exceção. Ela recebeu um número maior de estudantes oriundos de famílias de renda mais alta mas sem diplomas de ensino superior, e parece ter adiado a segmentação social com a adoção dos Bacharelados Integrados. As implicações para a desigualdade social também serão discutidas.”

Foto: Divulgação / Jornal da USP
Foto: Protestos no México: problemas semelhantes | Divulgação / Jornal da USP

Ana aponta que, ao longo dos anos 2000, ocorreu uma significativa expansão da educação superior. “Nesse período, as matrículas aumentaram mais do que a população total do Brasil. Em paralelo, ações afirmativas dirigidas para grupos tradicionalmente excluídos do ensino superior se difundiram rapidamente por todas as regiões. Elas representaram um esforço sem precedentes para diminuir os efeitos de privilégios sociais nos processos de acesso ao ensino superior no País.”

O seminário Espaços Culturais de Confronto Político na América Latina: Brasil, Argentina e México será realizado nesta quinta e sexta-feira, dias 12 e 13, no auditório do Centro Universitário Maria Antonia (Ceuma) da USP (rua Maria Antonia, 294, Vila Buarque, São Paulo). O evento é promovido pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU) da USP. Grátis. Os interessados em participar do seminário devem comparecer ao local com uma hora de antecedência para a retirada de senhas. O Centro Universitário Maria Antonia fica na rua Maria Antonia, 294, Vila Buarque, São Paulo. Os debates serão em português e espanhol, sem tradução simultânea.

Leila Kiyomura / Jornal da USP

A mídia, palmatória do Brasil

No seminário Espaços Culturais de Confronto Político na América Latina: Brasil, Argentina e México, o professor Marcelo Ridenti, da Unicamp, vai falar sobre “A palmatória midiática do Brasil: a hipertrofia de uma imprensa ameaçada”. Nela, Ridenti fará um panorama dos usos dos meios de comunicação no Brasil hoje, reproduzindo dados estatísticos sobre a circulação da imprensa impressa, acessos à internet, utilização política das redes sociais, investimentos publicitários na mídia e demissão de jornalistas, entre outros temas.

Ridenti lembra que o avanço acelerado da internet e das redes sociais abalou a mediação cultural exercida pelos veículos tradicionais. “Sentindo-se fragilizada, apesar de manter seu poder, a imprensa tradicional assume o papel de guardiã da moral e da democracia, uma espécie de palmatória da sociedade brasileira, atribuindo-se legitimidade para pautar a agenda política, econômica, social, jurídica, cultural e intelectual do País.”

Vários são os motivos que levam a imprensa tradicional brasileira a se sentir ameaçada: o avanço da internet, a mudança de público, sobretudo o jovem, que tende a buscar informações nas redes sociais, a perda crescente de leitores de jornais e revistas impressos e a desconfiança do público em relação aos meios tradicionais de comunicação.

A Pesquisa Brasileira de Mídia (PBM) de 2015, referente à imprensa escrita, indica que apenas 22% dos brasileiros leem jornal e só 11% o fazem ao menos quatro vezes por semana. Os leitores concentram-se nos estratos de maior poder aquisitivo, maior escolaridade e nas cidades mais populosas.

Com a estabilidade financeira ameaçada devido à migração dos conteúdos para as plataformas digitais, o retorno financeiro obtido com as assinaturas digitais é bem menor do que o da versão impressa, o que em parte explica as ondas de demissões nas redações. “Os ganhos referentes às edições impressas caem constantemente”, avalia o sociólogo.

Quanto à televisão aberta brasileira, Ridenti afirma que esta segue toda-poderosa para abocanhar verbas de publicidade, mas enfrenta a concorrência da TV a cabo e dos meios digitais, como Netflix, Google, Youtube e Facebook, “cada vez mais criativos em oferecer alternativas aos usuários e aos anunciantes”.

Marcelo Ridenti aponta que, com o sentimento de perda de influência e capacidade de mediação cultural, ameaçados pelas novas mídias e demandas sociais de democratização da comunicação, os órgãos da grande imprensa têm-se voltado a suprir o que consideram debilidades institucionais em todos os níveis. “Aflora em todos os terrenos a pretensão dos veículos dominantes na imprensa brasileira de reafirmar seus poderes e atribuir-se autoridade política, cultural e moral, seguindo uma agenda centrada no livre desenvolvimento de mercado.”

Foto: George Campos / USP Imagens
Foto: George Campos / USP Imagens

Ridenti destaca ainda que o descrédito nas instituições e o sentimento de poder ameaçado levam a grande mídia a buscar pautar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e ainda pretender afirmar-se como matriz intelectual e moral. “As consequências e desdobramentos dessa hipertrofia serão sentidos nos próximos anos, diante do desenvolvimento previsível dos meios digitais e conforme avançar ou não o debate sobre a democratização da mídia, que permitiria o exercício mais equânime da liberdade de expressão, ajudando a fiscalizar os poderes constituídos e expressando demandas dos cidadãos, grupos e classes sociais de modo mais amplo e diversificado, sem o império do ‘pensamento único’.”

Izabel Leão / Jornal da USP

Sociologia e comunicação na Argentina

Alejandro Blanco e Mirta Varela são dois dos pesquisadores estrangeiros que participarão do seminário Espaços Culturais de Confronto Político na América Latina: Brasil, Argentina e México.

Blanco é professor da Universidade Nacional de Quilmes, na Argentina, e autor de Razón y Modernidad – Gino Germani y la sociologia en la Argentina. No seminário, ele abordará as transformações da sociologia em seu país nos últimos 30 anos. De acordo com o que adiantou ao Jornal da USP, a sociologia institucional na Argentina na década de 80 apresenta dois polos de atração. Um deles é o que chama de “polo socialista”, representado pela figura de Juan Carlos Portantiero (1934-2007), um dos mentores da mítica revista da renovação da esquerda dos anos 60 Pasado y Presente, reconhecido intérprete da obra de Antonio Gramsci e autor de um livro que se tornou clássico, Estudios sobre los Orígenes del Peronismo, de 1971, em coautoria com Miguel Murmis.

O outro polo de atração da sociologia argentina nos anos 80 é o “polo peronista”, segundo a classificação de Blanco. O “chefe espiritual” dessa corrente é Horacio González, que, após a derrota do peronismo nas eleições de 1983, promove um processo de renovação intelectual e política do partido peronista. Ele é um dos principais mentores intelectuais da chamada “renovação peronista”, que conta com uma publicação, a revista Unidos, voltada para “atualizar” o peronismo no contexto da volta da democracia na Argentina. “De algum modo, Juan Carlos Portantiero e Horacio González tipificam as forças (ou subculturas) que estruturaram o processo de refundação da disciplina sociológica durante os úlitmos 30 anos. Com fortes raízes no passado, ambos disputaram os sentidos da sociologia durante o período”, diz Blanco.

Já Mirta Varela, professora da Universidade de Buenos Aires (UBA), falará, no seminário, sobre as relações entre Estado e indústria cultural. Ela cita como exemplo as recentes eleições presidenciais na Argentina, em que atores, cantores, diretores de teatro e cinema e apresentadores de televisão e rádio participaram de atos políticos, dando apoio a seus candidatos preferidos. “Minha intervenção no seminário buscará reconstruir as tradições que confluíram nas políticas kirchneristas nos meios de comunicação”, antecipou Mirta ao Jornal da USP.

Roberto C. G. Castro / Jornal da USP

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