Estudo da EERP identifica dificuldades das mulheres cortadoras de cana

Cortadoras cumprem intensa jornada de trabalho, não têm com quem deixar os filhos e sofrem com a violência doméstica.

Embora as condições de trabalho tenham melhorado, as mulheres do corte manual da cana-de-açúcar ainda vivem várias situações de sofrimento decorrentes de sua vida e ofício. As principais questões abrangem a violência doméstica, a dificuldade para criar os filhos e as más condições de trabalho. A assistente social Vânia Cláudia Spoti Caran analisou a rotina dessas mulheres e as principais questões de seu cotidiano, em tese de doutorado defendida na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP.

Segundo Vânia, a organização do trabalho em si traz sofrimento às mulheres. Por exemplo: elas devem estar no campo já às 7 horas da manhã, o mesmo horário em que as creches abrem. Por conta disso, elas não têm onde deixar os filhos, e muitas acabam utilizando parte de sua renda para pagar alguém que tome conta deles. “Há uma mulher que inclusive entregou os filhos para adoção, pois não encontrava quem cuidasse”, conta. Para a autora da pesquisa, é essencial saber a história de vida dessas trabalhadoras, pois colocando-as em evidência é possível formular políticas públicas que se adequem a sua realidade e que facilitem as condições de vida e trabalho.

Outras variáveis

Para a pesquisa, foram entrevistadas dez trabalhadoras rurais de Guariba, na região de Ribeirão Preto, no estado de São Paulo. Todas as mulheres eram vinculadas ao sindicato rural da região e residiam em Guariba. A maioria das participantes do estudo é migrante, vindas especialmente de estados nordestinos ou de Minas Gerais. Essas mulheres começaram a trabalhar na agricultura ainda na infância, para a subsistência de suas famílias. “O trabalho infantil e a migração são questões muito presentes na vida delas, que saíram da agricultura de subsistência para vir para o corte de cana”, diz a assistente social. Apenas uma das mulheres havia completado o ensino médio.

Vânia destaca que a pesquisa abordou especificamente a vida das mulheres da profissão porque “não se fala o que acontece com elas”. Segundo a pesquisadora, as mulheres são minoria nessa função, que ocupa principalmente homens jovens e migrantes. “No entanto, elas estão aqui. Estão perpetuando o trabalho e portanto precisam ser ouvidas”, diz ela.

Cana crua

Nos relatos, os principais pontos levantados foram a intensa jornada de trabalho e algumas de suas especificidades, como o corte da cana crua. A partir de 2014 será proibido queimar a cana antes de cortá-la, e as mulheres relatam mais problemas ao terem que cortar a cana crua. Nessa situação, elas têm que lidar com animais peçonhentos na plantação, sendo um perigo a mais para este tipo de trabalho. Além disso, elas têm um ganho menor com o corte de cana crua, pois sua renda é baseada na produtividade (ganham por tonelada de cana cortada). “Dizem que a mulher não está no ramo porque o homem é mais forte e pode cortar mais cana, mas uma das entrevistadas relatou já ter cortado 28 toneladas do produto em um único dia, o que é uma quantidade muito grande”, diz a pesquisadora.

As cortadoras de cana têm de enfrentar ainda uma dupla jornada, pois além de enfrentarem condições difíceis no trabalho, realizam os afazeres domésticos, sofrendo, em muitos casos, violência. O que o estudo de Vânia também destaca é a espiritualidade muito forte no grupo. Segundo a pesquisadora, elas lidam com a morte desde muito cedo, perdendo pais, irmãos e outros familiares. Para superar a questão, se apegam em Deus e na sua família. “O maior sonho delas é construir sua casa própria e ver seus filhos estudarem”, diz Vânia.

Dentro da própria amostra da pesquisa, ainda é possível diferenciar duas situações diferentes: há as trabalhadoras registradas pelas usinas e as que trabalham para donos de terra que fornecem cana para as usinas. As mulheres do primeiro grupo têm condições de trabalho acompanhadas. Embora ainda haja sofrimento em seus relatos, trabalham em situação melhor e são amparadas juridicamente. Já aquelas que trabalham para os donos de terra não têm o mesmo suporte. Elas relatam tontura por ficarem embaixo do sol e cãibras. Essas são as principais afetadas pelo horário de trabalho e pelo corte de cana crua.

Ao contar a história de vida dessas mulheres, Vânia espera que sua pesquisa evidencie aspectos de seu cotidiano e que o grupo seja ouvido, tendo políticas públicas voltadas para essa realidade. A pesquisa Contexto de vida e trabalho de mulheres cortadoras de cana-de-açúcar foi orientada pela professora Maria Lucia do Carmo Cruz Robazzi.

Com informações de Camila Ruiz, da Assessoria de Imprensa da EERP

Mais informações: email vccaran@yahoo.com.br, com Vânia Cláudia Spoti Caran 

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