Direitos humanos são pouco efetivos para a redução das desigualdades, analisa estudo da FD

Pesquisa de Pablo Biondi aponta que os direitos humanos não correspondem ao amadurecimento da consciência social dos homens, e sim ao desenvolvimento capitalista.

Igor Truz / Agência USP de Notícias

Os direitos humanos não correspondem ao amadurecimento da consciência social dos homens, e sim ao desenvolvimento capitalista, mostra estudo da Faculdade de Direito (FD) da USP. Modo de produção baseado na troca de mercadorias nascido no início do século 18, o capitalismo encontrava entraves para sua plena evolução nos antigos modelos políticos feudais e absolutistas. “Foram, e são, justamente o que conhecemos hoje por liberdades democráticas, direitos civis e sociais os elementos necessários para o estabelecimento da livre circulação de mercadorias e da livre exploração do trabalho dos mais pobres”, afirma o autor da pesquisa, o advogado Pablo Biondi.

Biondi realizou uma análise historiográfica sobre as revoluções burguesas do século 18 para demonstrar que, na verdade, estes direitos são uma resposta às demandas políticas do sistema econômico capitalista. Os dados estão na dissertação de mestrado Os direitos humanos e sociais e o capitalismo: elementos para uma crítica, que relaciona a origem dos direitos humanos com determinados momentos históricos, como a Revolução Francesa e a Declaração de Independência Norte-americana.

Para o advogado, conceitos hoje inquestionáveis, como a democracia e a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, são, na verdade, uma maneira política de ampliar as forças do capitalismo e de esconder suas injustiças. A questão não é questionar a ideia de democracia em si, mas sim compreender que é impossível estabelecê-la de forma plena no regime econômico capitalista, pois ele divide cidadãos formalmente iguais em diferentes classes sociais.

“Nossa ideia de democracia atual teve origem nas revoluções burguesas do século 18. Preocupada com a evolução econômica capitalista, a burguesia baseou seu novo Estado sob constituições que nivelavam todos os homens em cidadãos com direitos iguais perante a lei”, explica Biondi. “Entretanto, esta nivelação ignora as diferenças de classe. Desta forma, os direitos civis e políticos, pretensamente democráticos, desconsideram as relações de poder e os conflitos sociais gerados pelo capitalismo.”

Direitos sociais: a divisão dos prejuízos

Saúde, educação, moradia, segurança. Estes, e muitos outros, são direitos coletivos que o Estado têm a obrigação de fornecer e garantir para todos os seus cidadãos, os chamados direitos sociais, direito que tiveram origem na luta da classe trabalhadora. A classe operária que no século 18 ainda era muito dispersa, no século 19 se tornou uma grande massa de assalariados. As constantes revoluções industriais e o aumento da concentração de trabalhadores sob uma mesma situação de exploração, os levou a união e reivindicação por melhores condições de vida.

Entretanto, para Biondi, o que à primeira vista parece uma ação estatal para frear o avanço do capitalismo “selvagem”, apenas o reforça. Isso porque, na teoria, as empresas que contratam os trabalhadores deveriam pagar salários que fossem suficientes para que todos pudessem garantir boas condições de vida com seus próprios rendimentos.

“Os pagamentos mensais deveriam ser suficientes para cobrir gastos com escolas, hospitais, residências, mas como não são, viram obrigação do Estado”, explica Biondi. Estes gastos são repartidos por todos os cidadãos na forma de serviços públicos financiados por todas as classes, principalmente pela trabalhadora. Ou seja, neste caso, a intervenção do Estado é indispensável para garantir que as empresas continuem pagando baixos salários, potencializando seus lucros, sem correr o risco de criar grandes tensões sociais provocadas pela classe trabalhadora em busca de melhorias.

Uma crítica à esquerda

Grande parte das forças políticas e da opinião pública mais conservadoras fazem atualmente duras críticas aos direitos humanos e ao excesso de políticas assistencialistas governamentais. Estas tendências procuram diminuir o papel exercido pelo Estado na sociedade, e enxergam o regime econômico capitalista e o livre mercado como os melhores instrumentos para a promoção da justiça social por meio da meritocracia, ou seja, a riqueza construída por meio do mérito, do próprio esforço pessoal de cada um.

Biondi não segue esta linha de raciocínio. O advogado acredita que a ampliação das liberdades democráticas e a garantia de direitos sociais pelo Estado são avanços progressistas, que representam imediatas melhorias na vida das pessoas de classes sociais mais carentes. Mas esses avanços são apenas paliativos incapazes de romper com a exploração capitalista das classes mais baixas, e que, no fim das contas, são indispensáveis a esta mesma lógica.

“Ao traçar a história da origem dos direitos humanos contemporâneos somos capazes de constatar que eles não estão ligados diretamente a ideais humanísticos. Esses direitos são medidas do próprio capitalismo para garantir o seu melhor funcionamento. O estudo não pretende propor a extinção das liberdades democráticas ou dos direitos sociais, mas fornece elementos para uma crítica à esquerda, que pretende mostrar a incapacidade dos direitos humanos, por si só, em promover transformações mais profundas”, conclui.

Mais informações: email pablobiondi@gmail.com, com o advogado Pablo Biondi

Scroll to top