ECA relembra seu passado como voz de resistência à ditadura

Ex-alunos e professores da Escola de Comunicações e Artes da USP contam suas experiências sobre o período ditatorial.
Foto: Francisco Emolo / Jornal da USP
Foto: Francisco Emolo / Jornal da USP
Professor Luís Milanesi: “A liberdade na estrutura universitária é tão necessária que sem ela não há Universidade”

No dia 8 de novembro, a Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP promoveu o debate “50 aos depois: a resistência ECA-USP à Ditadura Militar”. O evento foi idealizado de forma a integrar as comemorações de 80 anos da USP, além de acrescentar experiências para a discussão sobre a ditadura militar e suas consequências para o País – muitas das quais perduram até hoje.  Indiretamente, o evento se prestou a sensibilizar aqueles que não viveram a ditadura, e a valorizar um modelo democrático de governo.

A ECA, que em 2014 completou 48 anos, tem uma trajetória de debates, marcada pela sua voz de resistência que foi ouvida não apenas na Universidade, mas em todo o país. O período ditatorial foi vivido de forma intensa e combatido por alunos, professores e dirigentes da Escola. Com o intuito de relembrar tais momentos e analisá-los sob uma ótica crítica, foram convidadas figuras marcantes na história da ECA para contar suas experiências pessoais no período.

Além dos convidados que deram seus depoimentos, estavam presentes a professora Margarida Kunsch, diretora da ECA; professores da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, responsáveis pela comissão de organização dos 80 anos da Universidade, e o professor Eugênio Bucci, que mediou as falas. Em uma breve introdução, a professora Margarida Kunsch avaliou o evento como algo importante também para os quase 50 anos de história da ECA, pois reuniu diversas figuras que participaram de forma ativa na sua construção.

O primeiro depoimento foi de José Marques de Melo, jornalista, professor universitário, consultor acadêmico e pesquisador científico. O professor exerceu durante muitos anos o cargo de diretor do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) da ECA, atividade que foi interrompida durante os anos da ditadura pela repressão de que foi vítima. José Marques de Melo, sem dúvidas, carrega uma grande bagagem consigo no que diz respeito a encarar com coragem obstáculos políticos à liberdade de expressão.

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Ele disse não estar presente para fazer denúncias, tampouco para demonstrar heroísmo, porém afirmou encarar como de grande valia rememorar esses acontecimentos em prol de uma política futura coerente. Desde a juventude o intelectual esteve ligado a movimentos sociais, a princípio em Recife e mais tarde em São Paulo, onde fixou morada. Entre suas ações, relembra o estágio no jornal Última Hora, que se findou de forma repentina por conta da invasão das forças armadas à redação; a recepção de Célia Guevara (mãe de Che Guevara) em Recife; e a participação no Congresso da UNE em Petrópolis, no anos de 1962, que foi invadido pelo comando de caça aos comunistas. Essas e as demais experiências de Marques de Melo podem ser lidas no livro AI-5 na Academia, de Roseméri Laurindo.

Adilson Odair Citelli também deixou registrada a sua passagem por esse período. Ele é graduado em Letras pela FFLCH, possui livre-docência pela ECA e atualmente é docente da mesma instituição. Aluno da geração de 68, como se refere a si próprio, entrou na vida universitária em um momento conturbado politicamente para o País. Sua primeira formação na Universidade aconteceu na FFLCH e, anos mais tarde, em 1985, chegou à ECA.

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Citelli relatou que sua geração havia vivido, até então, uma experiência democrática muito pequena – os meio de comunicação eram limitados e não havia a dinamicidade de informação que há hoje. Ele mesmo votou pela primeira vez 20 anos após ter tirado seu título de eleitor, que à época era apenas uma burocracia exigida em certas situações. Para ele, a ECA é apenas uma metonímia do que seu deu em toda a USP, pois os grandes problemas que a tocaram foram parecidos em diversos institutos.

“Eu estava entre os 7% da população com carro próprio e telefone, e ambos estiveram durante a minha estadia na USP à disposição do movimento”. Com essa lembrança Sérgio Gomes iniciou sua fala. O jornalista é ex-aluno da ECA e um dos fundadores da Oboré, empresa voltada à comunicação popular. Em tom espontâneo disse guardar até hoje o hábito de panfletar suas ideias, costume herdado dos tempos de universitário.

Sérgio Gomes foi preso político e passou por situações de tortura que lhe deixaram inúmeras marcas. Por essa razão, estimula a volta ao passado, para que seus aspectos positivos possam ser inseridos na busca por um futuro melhor, e os vestígios da ditadura sejam de vez extintos. Para quem deseja entender com maior clareza sobre o momento tratado indicou a análise do filme “O dia que durou 21 anos”, dirigido por Camilo Tavares.

Para Sinval Medina, a ECA e o CJE proporcionavam um clima de liberdade raro dentro da Universidade, e do país como um todo. Ele é jornalista formado pela Universidade do Rio Grande do Sul, pós-graduado em Ciências da Comunicação pela ECA, professor, pesquisador e escritor.

Foto: Francisco Emolo / Jornal da USP
Foto: Francisco Emolo / Jornal da USP

Em sua visão, a ECA é símbolo de enfrentamento e não submissão. Como exemplo deste fato citou a criação da Agência Universitária de Notícias (AUN), criada pelo professor Freitas Nobre em um momento em que o acesso a arquivos de consulta era totalmente escasso e a repressão sobre as publicações era quase intransponível. Em 1972, a ECA realizou uma série de eventos chamado “Semanas de Estudos do Jornalismo”, o maior do gênero que já havia ocorrido, e essa fase de “brilho” do CJE começou a irritar a ditadura.

Professores foram cassados e houve um desmonte do Departamento. O primeiro a deixar o CJE foi o professor Freitas Nobre, líder do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de clara oposição ao governo. Durante essa fase, Sinval se afastou da USP, retornando apenas em 1986, quando foi convidado a compor o corpo docente.

O debate foi encerrado por Luís Milanesi, professor da ECA e chefe do Departamento de Biblioteconomia. Durante a ditadura, como aluno da Instituição Milanesi, viveu de forma intensa todos os acontecimentos. Chegou a ser preso, porém, foi liberado após algumas horas. Para o docente, porém, a parte mais difícil era ver seus amigos, companheiros e professores sumindo, situação que se tornou constante à certa altura.

O professor finalizou seu relato e o evento ao dizer que “a liberdade na estrutura universitária é tão necessária que sem ela não há Universidade”.

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