Encontro na FFLCH debate crime organizado e sociedade

Simpósio “Crime Organizado, Estado e Sociedade na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP trouxe especialistas para debater o tema.

Izabel Leão / Jornal da USP

Foto: Francisco Emolo / Jornal da USP
Foto: Francisco Emolo / Jornal da USP
Sérgio Adorno, Fausto de Sanctis e Percival de Souza durante simpósio na FFLCH

“O crime organizado está em todas as esferas. Muitas vezes o criminoso se esconde atrás dos valores de família, honra e moral”, afirmou o desembargador Fausto Martin de Sanctis, em palestra proferida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, no dia 25 de outubro, durante o evento “Crime Organizado, Estado e Sociedade”, que contou com a presença do jornalista Percival de Souza e do coordenador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, professor Sérgio Adorno.

Segundo Sanctis, a crise ética e institucional que vive o Brasil é o que leva à falta de respeito por qualquer forma de obrigação, seja moral ou ética. “O poder do crime organizado cresce, ganha corpo e o Estado está se encolhendo cada vez mais”, refletiu. O desembargador acha que a falta de respeito acontece com toda e qualquer autoridade, seja ela pai, professor, juiz ou político, e o mais complicado é que o “crime organizado influencia todas essas esferas”, observou.

Para ele, o problema está em como enfrentar essa situação numa sociedade que valoriza a violência. “Existe uma insurgência generalizada no País, contra toda e qualquer autoridade, contra o Estado, contra as instituições.”

Outro fator de desconfiança sobre as autoridades são os cargos em instâncias de poder importantes ocupados por pessoas sem conhecimento técnico, que foram colocadas ali por partidos políticos, e estes são alimentados por empresas. “Como sair dessa roda viva?”, questionou Sanctis. “Muito difícil. Somos uma sociedade que exige o rigor, mas tolera a cultura da ilicitude. O pior é que todos esses problemas estão refletindo diretamente no exterior, que cada vez mais se retrai para investir no Brasil.”

O desembargador apontou ainda para a educação básica como forma de combater essa cultura da corrupção e do desrespeito à autoridade. “É necessário um choque de cultura para fazer com que as pessoas cultuem a licitude e possam entender o quanto essa atitude é gratificante.”

Em sua fala, o desembargador observou que o terrorismo não é mais o crime da moda. “A bola da vez está com a corrupção. Esta precisa ser banida do Estado para que se possa cultuar uma sociedade mais equilibrada.”Mesmo apresentando uma série de fatores pessimistas, Sanctis lembrou alguns aspectos positivos: destacou que existem leis sendo aprovadas nas devidas instâncias, que há uma forte pressão internacional e que cada vez mais aumenta o número de pessoas viajando para fora do País, tendo contato com culturas em que a corrupção e o crime organizado são bem controlados. Essas pessoas acabam percebendo ser possível estruturar nosso país de uma forma mais organizada e competente.

“Metástase”

Foto: Francisco Emolo / Jornal da USP
Foto: Francisco Emolo / Jornal da USP
Jornalista Percival de Souza

O jornalista Percival de Souza baseou sua palestra em dados sobre o crime organizado e o cotidiano da prisão de segurança máxima de Presidente Venceslau. Ele contou que a facção conhecida pela sigla PCC tem normas rígidas, com uma legislação interna própria muito mais rigorosa do que a de fora da prisão. É o caso de estupro, cuja pena é a execução em público. “Em área dominada pelo PCC não se admite venda de crack. Quem desafia é morto”, esclareceu.

Segundo o jornalista, o PCC age “de maneira implacável”, como uma “metástase”, incluindo ramificações na Colômbia, Paraguai e Bolívia. Ele consegue fazer interconferências via celular, de dentro de presídios, envolvendo 14 Estados brasileiros. “O Estado não consegue furar esse bloqueio”, ressaltou.

O mais incrível, segundo Percival, é que as escutas e monitoramento só deram mais segurança ao crime organizado. “O que nos permite constatar que o presídio de segurança máxima dá segurança aos criminosos e não à sociedade.”

Pesquisas

Foto: Francisco Emolo / Jornal da USP
Foto: Francisco Emolo / Jornal da USP

O professor Sérgio Adorno, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, destacou que as pesquisas científicas na área do crime organizado ainda “engatinham”. Isso se deve à demora dos pesquisadores em aceitar que o crime organizado também acontece em São Paulo, e não somente no Rio de Janeiro, como se pensava.

Adorno apresentou as dificuldades encontradas pelos pesquisadores para conseguir realizar suas pesquisas. “Mais de 60% dos registros não têm inquérito policial, 10% são crimes de autoria conhecida e 90%, de autoria desconhecida. Quando há tráfico de drogas no meio da ocorrência, não se investiga o crime.

Outra maneira de investigar são os relatórios governamentais, que não são suficientes. Já o trabalho de campo, que poderia auxiliar bastante, se torna uma ferramenta de pesquisa muito difícil devido às ameaças de morte aos pesquisadores.”

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