Encontro na ECA debate liberdade de expressão na imprensa de hoje

Evento destacou as questões como segurança dos jornalistas, o combate a impunidade em crimes contra a liberdade de expressão.

“O jornalismo comete erros? Sim, muitos. Mas é pior sem ele”. A frase dita pelo Diretor do Observatório da Imprensa e professor aposentado da USP, Carlos Eduardo Lins, durante mesa redonda na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, revela muito sobre a importância do jornalismo no mês em que se comemora, no dia 3 de maio, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

O encontro Segurança para quem fala: Liberdade de Expressão em toda a mídia contou também com a participação do professor Eugênio Bucci, do blogueiro inglês Mark Hillary e do repórter brasileiro Caco Barcellos. Com o objetivo de instigar os futuros jornalistas ali presentes, a conversa destacou questões acerca da segurança dos repórteres, assim como o combate a impunidade em crimes contra a liberdade de expressão e a construção de uma internet aberta e livre como condição indispensável para a segurança online.

Mais de 30 Berlusconis

Em vídeo apresentado pelo professor Bucci, o jornalista Luiz Carlos Azenha discute o relatório “Brasil, o país dos 30 Berlusconis”, criado pela organização Repórteres sem Fronteiras. O título, emprestado do próprio professor, relaciona os casos do político italiano com o controle dos meios de comunicação e exemplifica a  afirmação de Azenha de que no Brasil não existe ampla liberdade de expressão.

Bucci ressalta, entretanto, que sua frase não deve ser aplicada a todos os donos de veículos privados, mas sim aos donos de veículos que também são governantes (ou que estão em posições públicas) e caem em um conflito de interesses. O controle de mídias privadas por homens públicos estaria ligado, segundo o professor, à ausência de uma regulamentação da imprensa.

O jornalismo está mudando

O diretor do Observatório da Imprensa, Carlos Eduardo Lins, reflete sobre o papel do jornalismo diante das mudanças em seu status e forma de trabalho. “Com a alteração radical do ambiente dos meios de comunicação – com a qual não estamos ainda acostumados e não compreendemos completamente -, a proliferação de blogs, Twitter e Facebook transformou todas as pessoas em veículos de comunicação”, diz.

Para Lins, com o aumento na oferta de produtores de conteúdo e com a abertura de novos espaços, o jornalismo deve ser reestruturado e repensado em seu formato. Mesmo blogueiros, com publicações desvinculadas de grandes veículos, não devem ser deixados de lado nessa reestruturação.

É, portanto, neste ambiente virtual que se encontram as grandes preocupações em relação à regulamentação. Segundo o professor e jornalista Eugênio Bucci, empresas de televisão e rádio, para poderem funcionar, devem pedir a concessão do Estado. Já sites, blogs e páginas do Twitter, sem essa exigência, agem de forma desregrada.  “O valor da ética aumenta muito em um ambiente sem a regulamentação”, afirma Bucci, evidenciando também a importância da Universidade nestas discussões, já que também cabe a ela promover o espaço para o diálogo, seja dentro ou fora das salas de aula.

O diploma

Dentre os diversos temas debatidos durante a mesa, a reflexão acerca da obrigatoriedade do diploma para jornalistas se fez presente. Bucci esclarece que a questão é estudada hoje como uma emenda constitucional e, se aprovada, pode se tornar definitiva. Para o professor, “a obrigatoriedade do diploma é uma das faces da regulamentação da imprensa”. O professor define o diploma obrigatório como um filtro que seleciona quem pode ou não fazer jornalismo. Em sua história, a obrigatoriedade do documento foi uma forma de controle estatal sobre quem trabalha na imprensa. Apesar do domínio sobre a classe profissional, a medida “trouxe avanços para o jornalismo no Brasil”, afirma.

Por sua vez, Mark Hillary ressalta a importância do incentivo a um “jornalismo cidadão”. Para o blogueiro britânico, um jornalista não necessariamente deve ser formado em jornalismo. “Quando falamos do diploma como obrigatório, precisamos nos perguntar o que é o jornalismo. Um fã de um time de futebol pode ‘tuitar’ informações sobre seus times e ter mais importância em seu meio que uma revista especializada. E não é por isso que você precisa de um diploma. Não é mais preciso escrever em uma revista ou falar na TV para ser jornalista”, defende Hillary.

O blogueiro acredita que liberdade de expressão, quando aliada com as novas tecnologias, possibilita que qualquer pessoa dê um furo antes da imprensa. Mas isso deve ser tratado com cautela, alerta. Há informações que não podem ser inteiramente divulgadas, comenta Mark ao relembrar o caso do Wikileaks, cujos “vazamentos” puseram vidas em risco. “É um dilema ético”, assume.

Profissão: Jornalista

Em discussão sobre jornalistas mortos nos últimos anos no país, o repórter Caco Barcellos lembra que, dentre as vítimas mais comuns, se destacam “os repórteres dos pequenos veículos”. “O último caso que eu lembro envolvendo um integrante da chamada ‘grande mídia’ foi o caso envolvendo Tim Lopes”, conta Barcellos. As mortes, para ele, são reflexo de pequenos poderes locais que optam por calar os repórteres – algo que não pode ser replicado com os funcionários de meios com maior visibilidade e poder, supõe.

Barcellos alerta, também, que esta mudança do status jornalístico o distanciou das classes mais populares, e estas não identificam mais a imprensa como aliada. “É preciso ser dito que a imprensa é mal vista nas comunidades. Quando a gente recebe um tiro lá de cima, quando chega, temos que fazer uma pergunta: ‘O que fizemos para receber um tiro? Qual é a nossa postura em relação àquela comunidade?’”. O repórter conclui que, ao nos voltarmos às comunidades apenas em situação de conflito, acompanhando invasões ao lado das forças consideradas “repressoras”, perdemos a confiança de todo um grupo. “Devemos acabar com este distanciamento e nos lembrarmos para quem é que o jornalismo age”, encerra.

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