Pesquisa da FAU analisa atuação de alemães na construção civil em São Paulo

No século 19, artífices e engenheiros executaram grandes obras e planejaram desenvolvimento da cidade.

Entre 1850 e 1860, imigrantes alemães tiveram grande atuação na construção civil em São Paulo, construindo uma série de obras públicas e privadas que impulsionaram o desenvolvimento da cidade. A pesquisa da arquiteta Adriane Acosta Baldin sobre o trabalho dos artífices e engenheiros vindos dos estados alemães é descrita em tese de doutorado apresentada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, publicada em livro. A influência alemã se fez presente não apenas no trabalho especializado e em novas técnicas construtivas, entre as quais o uso do tijolo, mas também na evolução urbana, como a instalação de cemitérios, mercado público, matadouro e as propostas para abastecimento de água.

“Na historiografia clássica, a cidade de São Paulo na década de 1850 costuma ser descrita como pacata e provinciana”, afirma Adriane. Porém, ao analisar as as fotos urbanas de Militão Augusto de Azevedo, publicadas em 1862, durante pesquisa de mestrado na PUC-Campinas, a arquiteta notou, entre outras aspectos, que a dimensão e função de algumas construções indicavam uma cidade muito mais movimentada e com um um fluxo de comércio intenso. “Além das mercadorias que iam e vinham de Santos, havia, ao menos,  quatro grandes pousos de tropeiros na cidade. Por ali passavam as tropas de mulas que seriam negociadas em Sorocaba. A comparação dos escritos sobre os pousos feitos em 1830 por Vieira Bueno com as fotos feitas trinta anos depois do pouso do Bixiga por exemplo, mostram uma grande evolução econômica”.

Os primeiros imigrantes alemães chegaram a São Paulo entre 1828 e 1830, com o patrocínio do governo imperial. Em 1854, um grupo de 204 trabalhadores alemães e 119 portugueses são requisitados pelo governo da província ao Senador Vergueiro, que realizava o agenciamento de imigrantes. “No arquivo da Assembléia Legislativa, há uma carta de um agente de imigração chamado Schmidt, enviada em 1854, que relata as dificuldades para se recrutar trabalhadores especializados na Europa. Um dos representantes de Schmidt quase apanhou das autoridades locais”, destaca a arquiteta. “No ano seguinte, um decreto da Assembleia constituiu uma Companhia de Operários, com 500 trabalhadores, todos contratados na Europa, numa época em que São Paulo tinha cerca de 20 mil habitantes. Muitas obras foram empreendidas na cidade naquela década”.

Os relatórios escritos pelo presidente da província ao imperador Dom Pedro II revelam que houve uma grande intervenção para a remodelação da cidade na década de 1850. O processo incluiu a construção de mercado público, matadouro, cemitérios, teatro e seminários, além de reformas de igrejas, a maioria com verbas públicas. “A documentação de obras existente no Arquivo Público do Estado de São Paulo mostra que, além dos engenheiros, os imigrantes alemães atuavam em obras públicas e particulares como pedreiros, marceneiros, carpinteiros, canteiros, que trabalhavam com pedras, e calceteiros, incumbidos das estradas e vias públicas”, ressalta Adriane.

Artífices e engenheiros

Os pagamentos dos trabalhadores alemães, que eram feitos por dia de trabalho (jornal), eram superiores ao dos operários portugueses, possivelmente devido à sua maior especialização. “Por volta de 1860, existia uma feira semanal de material de construção na região do Bixiga, o que indica um grande desenvolvimento urbano”, afirma a arquiteta. O estudo identificou 31 obras públicas com a participação de artífices alemães realizadas entre os anos de 1854 e 1860 em São Paulo, a grande maioria de infra-estrutura, como estradas e vias. Além dos operários especializados, a pesquisa traz informações sobre quatro engenheiros vindos da Alemanha que atuaram na cidade: Carlos Abraão Bresser, Carlos Rath, Hermann Gunther e Hermann Bastide.

“Bresser, em 1838, supervisionou as obras da estrada para Santos, e em 1852, junto com Porfírio de Lima, propôs a utilização da água da Serra da Cantareira para o abastecimento da cidade”, conta Adriane. “Rath definiu a localização e projetou o Cemitério da Consolação, construído em 1858, numa região que era afastada do núcleo urbano da época.  Bastide, formado pela Escola Politécnica da Universidade de Berlim, com experiência em estradas de ferro, projetou em 1851 a Ponte do Acu, inteiramente construída em tijolos. Foi o diretor da 5º  seção de obras públicas que englobava a capital e seus subúrbios. Em 1852, juntamente com o engenheiro José Jacques da Costa Ourique, trabalhou na elaboração de um projeto de um telégrafo elétrico, ligando a capital a Santos”.

Das realizações que chegaram até os dias atuais, Adriane destaca os cemitérios da Consolação e dos Protestantes e a proposta do abastecimento de água usando os mananciais da Cantareira. “A proposição demonstra que os alemães trouxeram ideias que revolucionaram a cidade e são diretrizes urbanas que chegaram até os dias de hoje”, ressalta.

A tese de doutorado “A presença alemã na construção da cidade de São Paulo entre 1820 e 1860”, defendida em 2012, teve orientação do professor José Eduardo de Assis Lefèvre, da FAU. A pesquisa contou com apoio da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e deu origem ao livro “Tijolo sobre tijolo: Os alemães que construíram São Paulo”, lançado em agosto de 2014. Atualmente, a arquiteta realiza pesquisa de pós-doutorado que aprofunda a análise sobre as técnicas construtivas trazidas pelos imigrantes alemães e portugueses, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Mais informações: email adrianebaldin@usp.br

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