Pesquisa da FFLCH mostra como a corrupção prejudica a democracia brasileira

Segundo estudo, um dos pontos em que se pode observar a queda da qualidade da democracia no Brasil é justamente na pouca participação e interesse da população por política.

Antonio Carlos Quinto/ Agência USP de Notícias

Entre os males causados pela corrupção no Brasil, um dos principais é a ameaça à democracia. “Principalmente em relação à qualidade do regime”, descreve o cientista político e engenheiro Carlos Joel Carvalho de Formiga Xavier. No Brasil, há 25 anos a maior preocupação era com a transição para a democracia. Mais tarde, houve o período de discussão e consolidação do regime. “Atualmente, a preocupação é justamente com a qualidade. E o Brasil já sente os efeitos danosos da corrupção em sua democracia”, enfatiza o pesquisador.

Em sua pesquisa de mestrado realizada no Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Formiga destaca que um dos pontos em que se pode observar a queda da qualidade da democracia no Brasil é justamente na pouca participação e interesse da população por política de um modo geral.

No estudo de mestrado A corrupção política e o caixa 2 de campanha no Brasil, que teve a orientação do professor José Álvaro Moisés, da FFLCH, Formiga faz uma análise de como a democracia é afetada, em especial na “responsividade” do governo. “A corrupção tira do governo a capacidade de responder às necessidades da população e desconsidera as preferências da maioria dos cidadãos em favor de uma minoria disposta a pagar pelo privilégio”, avalia. A pesquisa acaba de ser selecionada pela Associação Internacional de Ciência Política (IPSA) para ser apresentada em julho próximo no XXII Congresso Mundial de Ciência Política, que acontecerá em Madrid, na Espanha.

Qualidade afetada

Apesar de o Brasil ter um dos sistemas eleitorais mais eficientes do mundo, a qualidade de nossa democracia não acompanha o bom nível das nossas eleições. A revista inglesa The Economist estabelece anualmente um ranking que avalia a qualidade das democracias em diversos países. “De acordo com o último estudo, de 2011, o Brasil está na 45ª posição, entre 180 países. Nações de mesmo nível de desenvolvimento socioeconômico estão em melhor posição que a nossa, quando o assunto é a qualidade da democracia. Países como Cabo Verde, África do Sul, Botswana, Timor Leste e Índia estão acima de nós”, informa o pesquisador. O ranking avalia as nações em cinco critérios: processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades civis.

Participação

Formiga enumera em sua pesquisa oito dimensões fundamentais para avaliação da qualidade da democracia. A responsividade, o primado da lei, a liberdade, a participação, a igualdade, a competição, e o que a Ciência Política chama de accountabilitty horizontal (o controle e responsabilização dos atores políticos feitos por agências reguladoras, tribunais e pelo poder legislativo, como em uma CPI) e de accountabilitty vertical (a aprovação ou punição dos políticos eleitos pelos cidadãos, principalmente pelo voto nas urnas).

Além da responsivade, que ele considera um dos principais aspectos prejudicados, o “primado da lei” é afetado pelos esquemas de corrupção quando estes atingem parte dos sistemas judiciários. “Temos como exemplo a justiça eleitoral brasileira, que não consegue combater de forma eficiente o caixa 2 em campanhas eleitorais”, explica. Formiga vê como outro fato complicador os altos valores, muitos de fontes duvidosas, que se gastam num processo eleitoral. “Há as doações declaradas, mas também as que não são declaradas, e que são relevantes”, descreve. “Nosso sistema eleitoral é confiável, mas os resultados podem estar sendo distorcidos, prejudicando a democracia em função das altas quantias gastas nas campanhas, que estão entre as mais caras do mundo”, avalia.

Em virtude da dificuldade em se estudar fenômenos ilícitos, praticados na obscuridade, Formiga adotou uma abordagem metodológica heterodoxa, valendo-se, além de uma extensa pesquisa bibliográfica e de dados de estudos existentes, de observações descritivas a partir de depoimentos e notícias de jornal abrangendo casos de corrupção política e caixa 2 de campanha entre os anos de 2004 e 2010.

Apesar de a informação ser abrangente nos dias atuais, o cientista considera que a participação da população não é satisfatória em relação à classe política. “Os cidadãos têm, em geral, acesso as informação sobre práticas corruptas. Consideram esse fato relevante, mas provavelmente não punem os políticos corruptos por não enxergar alternativas viáveis.” Além disso, o próprio Congresso não exerce uma vigilância eficiente nos dias de hoje, com pouca cobrança por parte da oposição em relação aos diversos processos que envolvem esses delitos. “Provavelmente, trata-se do ‘efeito telhado de vidro’”, sugere. Segundo Formiga, houve tempos em que as CPIs eram mais atuantes e ganhavam os noticiários.

Pensando em tendências futuras, por um lado há o risco de agravamento desse quadro pela deterioração da qualidade dos políticos em função da renovação continuada da classe sob um clima de forte desprestígio da política, que pode afastar os melhores e mais brilhantes dessa atividade. Por outro, ele aponta como caminho de melhora mudanças nas regras eleitorais e no comportamento do eleitor que levem à redução do peso do dinheiro nas eleições, abrindo espaço para políticos que adotem por estratégia o combate à corrupção, sem o ‘telhado de vidro’, dando início a um ciclo virtuoso. Para Formiga, esse deveria ser o foco de uma reforma política.

Mais informações: joelformiga@superig.com.br

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