Pesquisador da FD estuda relação entre racismo institucional e violência policial

Segurança pública brasileira baseia-se em decisões políticas com resultados racistas sobre a população negra.

Bruna Romão / Agência USP de Notícias

Constituído por formas de marginalização da população negra, histórica e inconscientemente inscritas no funcionamento social, o racismo institucional é considerado uma grave violação dos direitos humanos e, por isso, tem recebido foco de diversas direções, como do governo federal que lançou, no último dia 9 de maio, o Guia de Enfrentamento ao Racismo Institucional e Desigualdade de Gênero. Por estar enraizado na sociedade, trata-se de um elemento que estrutura o sistema de segurança pública brasileiro. O tema foi estudado pelo advogado e professor Tiago Vinícius André dos Santos em pesquisa desenvolvida na Faculdade de Direito (FD) da USP.

As estruturas de poder na formação da segurança pública “sempre ‘privilegiaram’ a identificação baseada em raça e/ou cor no aparato repressivo para fins de controle social sobre a população negra”, comenta Santos. “A violência policial faz parte de um complexo de valores, crenças e preconceitos que subjugam a população negra, reforçando e reproduzindo a repressão discriminatória”. Na pesquisa, ele buscou identificar quais as formas de discriminação e se, na modalidade direta ou indireta, atingem a população negra no contexto da segurança pública.

Discriminação direta e indireta

A política de segurança pública do Brasil foi e ainda é baseada em decisões políticas cujos resultados sobre determinada população revelam-se racistas. O advogado explica que esta “discriminação indireta” é reflexo da formação dos aparatos de segurança pública do País, comprometidos pelo seu passado escravista e de repressão a manifestações de resistência e cultura negra. É preciso considerar, ainda, a questão da criminalização da pobreza, bem como a influência de teorias que afirmavam a necessidade de controle social diferenciado para pessoas negras em razão de suposta “natural impulsividade para o cometimento de crimes”. “Há uma ligação íntima entre os envolvidos na criminalidade comum e os marginalizados de nossa sociedade excludente; e entre aqueles a quem se destina a violência policial no Brasil de hoje e a população negra do final do século 19 e início do século 20”, relata.

No entanto, não é apenas no campo das estruturas da segurança pública que o racismo institucional atua. “Ele cria modos de ser e pensar, é sistêmico, por isso ‘determina’ as ações das pessoas na medida em que define e impregna a cultura”, esclarece o advogado. Assim, há no sistema de segurança pública a atuação conjunta de formas de discriminação direta, como a comum e visível associação da variável cor e raça à identificação de suspeitos, e indireta, como a incidência da violência policial sobre a população negra em maior frequência do que sobre os demais cidadãos, com a justificativa de ferramentas como os “autos de resistência”, uma norma aparentemente neutra, porém empregada de forma não igualitária a negros e brancos.

Eternos suspeitos

Frente à complexidade da questão, Santos destaca que o mais surpreendente é a conclusão de que a promoção do direito fundamental à segurança pelo Estado, que deveria ser universalizada, requer a manutenção do racismo institucional. Ele explica que a manutenção da ordem pública e do funcionamento do sistema de segurança estão associados ideologicamente à crença de que é necessária a maior repressão sobre os negros, considerados eternos suspeitos. “O sistema de segurança pública não apenas não funciona para a população negra, como também atua contra ela”, afirma.

“Cientistas políticos, sociólogos e juristas são unânimes em afirmar que no Brasil ‘a polícia só prende os três ps: pobre,preto e prostituta’, o que significa dizer que o contrário também é verdadeiro e isso tem reflexos importantes”, relata o pesquisador. Estudos mostram que essa “filtragem racial” na segurança pública leva à maior ocorrência de crimes na sociedade, uma vez que pessoas brancas compreendem não estar sob a vigilância estatal e que, dessa forma, poderiam atuar impunemente na criminalidade. Um exemplo é a utilização de pessoas cujo perfil não faz parte dessa tríade popular para o tráfico internacional de drogas.

Combate ao problema

Para Santos, o principal desafio para o combate ao racismo institucional é a percepção de sua atuação sobre todo o sistema social. Nesse sentido, ele diz, por apresentar caminhos para combater o problema baseado nessa concepção estrutural, ações como Guia de Enfrentamento ao Racismo Institucional e Desigualdade de Gênero são passos importantes para a superação do problema. “O Guia passa a ser um instrumento importante, pois propõe métodos para a identificação, bem como para a construção de diagnósticos do racismo institucional nos diversos setores da sociedade.”

Embora a postura do governo brasileiro com relação à promoção da igualdade racial tenha avançado— com exemplos na criação da Secretaria de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), e aprovação do Estatuto da Igualdade Racial — ainda são tímidas as medidas relacionadas à segurança pública. A SEPIR, mesmo tendo status de ministério, é a secretaria que menos recebe recursos da União, comenta o pesquisador. “É necessário uma real vontade política para que o enfrentamento ao racismo institucional faça parte da realidade brasileira.”

Mais informações: email tiago.dh@usp.br

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