Sociedade deve incentivar a formação de princípios, defende professor do IP

Na palestra “Ética da Norma à Ação: Perigos de Infantilização Moral na Universidade”, proferida no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP no último dia 20, La Taille falou sobre o número crescente de regras que recai sobre as instituições sociais no dia de hoje, inclusive o espaço acadêmico.

Thiago Minami, especial para o USP Online

A sociedade atual está passando por uma crise ética. Os indivíduos não são mais responsáveis pelas suas ações e jogam para as costas do outro a obrigação de dizer como agir. “É o mesmo que ocorre com quem não mata porque acredita que é contra o que Deus quer, e não por princípios próprios”, diz o professor Yves de la Taille, do Instituto de Psicologia (IP) da USP.

Na palestra Ética da Norma à Ação: Perigos de Infantilização Moral na Universidade, proferida no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP no último dia 20, La Taille falou sobre o número crescente de regras que recai sobre as instituições sociais no dia de hoje, inclusive o espaço acadêmico.

Para ele, o efeito pode ser o oposto do previsto – ao invés de prevenir a transgressão, cria incentivos a ela por barrar o desenvolvimento da autonomia nos indivíduos. “O resultado é a infantilização moral. O estágio em que precisamos do outro para legitimar as regras corresponde àquele entre os cinco e dez anos de idade”, diz o professor.

La Taille ganhou destaque fora da universidade com obras que tratam da psicologia moral, seu campo de estudo. Entre elas, a vencedora do Prêmio Jabuti 2007 Moral e Ética – Dimensões Intelectuais e Afetivas (Ed. Artmed, 2006). Um dos pontos que defende é que a sociedade deve incentivar a formação de princípios nas pessoas, em vez de simplesmente puni-las pelo que fizeram de errado.

Por exemplo, levar motoristas a entenderem porque não devem correr em alta velocidade, e não obrigá-los a mudar a atitude por medo de uma multa ou instalar radares de trânsito que gerem o estímulo pela sanção direta. O mesmo vale para a escola, abordada pelo autor em seus trabalhos.

Para a universidade, La Taille defende maior autonomia para professores, alunos e funcionários, com ênfase na cooperação entre eles, em lugar da coerção. Em outras palavras, a confiança mútua nos princípios éticos do outro.

É o caso de um pai participar da banca de avaliação de concurso para seu próprio filho. “Isso em si não significa falta de ética. O problema é se houver favorecimento ou desfavorecimento em função da relação familiar”, diz. Nesse caso, caberia ao pai julgar se é capaz de avaliar o filho sem comprometimento.

Caos ou ordem

Com menos normas, o sistema não entraria em colapso? “Mais regras não significa menos transgressões”, aponta o professor. Países como a China, que se apoiam na heteronomia – quando o modo de agir precisa ser apontado pelo outro –, precisam de um sistema repressor mais presente que aqueles inclinados à autonomia dos indivíduos, como a Suécia.

La Taille rebate o argumento de que o Brasil é terreno infértil para aumentar a delegação da responsabilidade dos atos às pessoas. “No caso do mundo acadêmico, a maior parte das regras é importada de outros países. Isso significa que alguém lá precisou cometer
uma transgressão antes. Ou seja, não somos só nós que fazemos coisas assim”, diz.

A crise na ética é mundial, aponta. A lógica da sociedade capitalista incentiva a competitividade e a produtividade, que são as bases do sucesso profissional. Esses princípios são usados frequentemente como justificativa para quebrar a ética. Pense, por exemplo, em um funcionário que espalha boatos negativos sobre o colega para subir na carreira. Facilmente a lógica maquiavélica – os fins justificam os meios – prevalece.

Regras não são ruins

La Taille deixa claro que não é contra as regras. “Pelo contrário, elas têm boas intenções. Como a que proíbe o cigarro em locais fechados para não prejudicar os não-fumantes”, explica. O problema é o que o professor descreve como um paradoxo: a regra pressupõe o que ela nega e é, pela sua mera existência, um modo de desconfiança.

Seguindo no mesmo exemplo, a proibição contra o fumo só existe porque muitos fumantes não se importavam em incomodar os outros com a fumaça de seus cigarros. Para o pesquisador, no entanto, a solução encontrada pode ser contraproducente: requer fiscalização, novos dispositivos para os fumantes e cobrança de multas. “Além disso, para Freud, se há proibição, há desejo”, aponta.

Mais eficiente, nesse caso, seria introjetar nas pessoas a noção de que fumar em ambientes fechados é inadequado. “Depois de gerada uma regra, é preciso fazer muitas outras mais para dar conta das exceções e lacunas. É um caminho sem fim”, diz. E lista o exemplo do aborto, que é proibido no Brasil, mas amplamente executado. “Isso ocorre porque a ênfase é no produto, não no processo”, conclui. 

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