Pelo de poodle é similar à lã e pode virar roupa para pets, mostra pesquisa

Testes realizados por pesquisador da EACH constataram que o fio é semelhante à lã de carneiro em relação à maciez, tingibilidade, alongamento, absorção de líquido e isolamento térmico.

Valéria Dias / Agência USP de Notícias

Foto: Renato Nogueirol Lobo
Foto: Renato Nogueirol Lobo
Tecido produzido durante o projeto empírico, realizado em 2008

Os pelos de cães da raça poodle apresentam características idênticas à lã de carneiro, e podem ser utilizados pela indústria têxtil para fabricar tecidos. É o que mostra a dissertação de mestrado do pesquisador Renato Nogueirol Lobo, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. Segundo Lobo, para produzir uma tonelada de fio, seriam necessários 600 quilos de pelo de poodle, sendo que essa quantidade poderia ser obtida por meio da tosa de cerca de 800 animais.

“Trata-se de uma alternativa para diminuir a quantidade de pelos descartados em pet shops por meio da reciclagem desses resíduos, que devem ter coleta especial”, justifica, ressaltando que “os fios poderiam ser usados para produzir qualquer tipo de roupa, mas o foco do projeto é reciclagem do pelo de cachorro para fazer roupa para pet.”

De acordo com Lobo, a única diferença é que os pelos de poodle são fiáveis em fibra curta, entre 12 a 40 milímetros, e as de carneiro são fiáveis em fibra longa, entre 40 a 80 milímetros. “Essa diferença não altera o processo de fiação nem causa nenhum tipo de prejuízo ao maquinário”, esclarece. No mestrado, o pesquisador produziu um quilo de fio, composto por 50% de pelos de poodle e 50% de acrílico.

“A quantidade de pelo em cada tosa varia de acordo com o tamanho do animal. Para um poodle toy [menores da raça] são cerca de 120 gramas. Já um poodle big [o maior da raça] pode deixar cerca de 1,2 quilos de pelo em cada tosa. Por isso, consideramos uma média de cerca de 700 gramas de pelo por animal”, explica.

Os testes realizados constataram que este fio é semelhante à lã de carneiro em relação à maciez, tingibilidade (capacidade de receber corante), alongamento, absorção de líquido e isolamento térmico. “Um leigo não conseguiria diferenciar um fio que foi confeccionado com pelo de poodle de um fio confeccionado com o de carneiro. Apenas pessoas com conhecimento técnico poderiam perceber a diferença ao analisar o fio e constatar que se trata de uma fibra curta”, diz.

Um leigo não conseguiria diferenciar um fio que foi confeccionado com pelo de poodle de um fio confeccionado com o de carneiro.

Para realizar a pesquisa, Lobo recolheu dez amostras de pelo de poodle em dez pet shops da cidade de São Paulo, sendo que cada amostra tinha peso variando de ½ a 1 quilo. Após passar por um processo de lavagem, as amostras foram separadas por cor: pelos brancos e creme; e pelos marrons e pretos. “A ideia era saber se havia alguma diferença em relação à finura dos fios claros e escuros”, conta. Os testes indicaram não haver diferença neste aspecto. O próximo passou foi realizar uma série de testes ligados à resistência, alongamento dos pelos, e comprimento de fibra.

Experiência empírica

Foto: Renato Nogueirol Lobo
Foto: Renato Nogueirol Lobo

A ideia de utilizar pelos de poodle como matéria prima para o setor têxtil surgiu por volta de 2008, quando Lobo atuava como professor do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), unidade Francisco Matarazzo, em São Paulo — e onde, atualmente, exerce o cargo de coordenador de cursos. Ele explica que a ideia surgiu durante uma conversa com suas alunas: “Uma delas tinha um cão poodle e comentou comigo sobre o aspecto semelhante entre as fibras de poodle e a lã de carneiro e que seria interessante utilizar o pelo do animal na indústria têxtil”, diz. Foi quando o grupo decidiu realizar testes práticos com os pelos de poodle para produzir tecidos.

“Foi um processo empírico, baseado no erro e no acerto para chegarmos à composição ideal do fio. Começamos com 25% de pelo de poodle e 75% de acrílico. Fizemos diversos testes, com diversas composições até chegarmos à porcentagem de 50% de pelos de poodle e 50% de acrílico para produzir o fio”, explica. Foram confeccionadas várias amostras de tecido, denominado “caniche” (que significa poodle em francês), tanto cru como tingido, sendo cerca de 1 quilo de malha e 10 metros de tecido plano. Na época, o professor contou a colaboração de duas indústrias têxteis.

Este Projeto Caniche foi apresentado em algumas feiras de inovação em 2008, como a Inova Senai, promovida pelo Senai, e na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), promovida pela Escola Politécnica (Poli) da USP. Na Febrace, o projeto foi apresentado na área de Ciências Biológicas pelas alunas Cibelle Gaijutis de Azevedo e Ellen Tais Santana, com orientação de Lobo e co-orientação da professora Aparecida Bezerra Nunes, do Senai Francisco Matarazzo.

Mestrado e doutorado

Foto: Renato Nogueirol LoboRoupas para pets fabricadas com o tecido produzido durante o projeto empírico
Foto: Renato Nogueirol Lobo
Roupas para pets fabricadas com o tecido produzido durante o projeto empírico

Em 2011, Lobo decidiu ingressar no mestrado acadêmico da Escola de Artes, Ciências e Humanidades com intuito de sair da experiência empírica obtida no Senai a fim de validar, de modo científico, a viabilidade de utilização dos pelos de poodle como matéria-prima para a produção de tecido pela indústria têxtil. Por isso, os estudos foram focados na análise dos pelos e na estrutura do fio produzidos com estes pelos. O mestrado teve orientação da professora Regina Aparecida Sanches e deve ser apresentado nos próximos meses. O projeto já foi divulgado em congressos na Croácia e na Alemanha.

Agora que o pesquisador já constatou cientificamente a viabilidade do projeto, o próximo passo será a continuidade por meio de uma pesquisa de doutorado. De acordo com Lobo, a ideia central será a produção de tecidos utilizando pelos de poodle, mas, desta vez, com todo o critério científico que uma pesquisa deste porte exige.

Mais informações: email renatolobo@usp.br, com Renato Nogueirol Lobo.

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