Dicionário Futebolês ensina jargão do futebol em português e inglês

Para os não iniciados, o futebol pode ser um verdadeiro bicho de sete cabeças - não só pela complexidade das regras, mas pelo vocabulário particular que foi criado nesses ambientes. Por isso, pesquisadores do Ludens estruturaram um dicionário que relaciona os verbetes criados no futebol, o "Dicionário Futebolês".

No Brasil e no mundo, o futebol é responsável por movimentar uma multidão de pessoas. De acordo com a Embratur, até 10 milhões de estrangeiros virão ao país durante a Copa no próximo ano. Contudo, para quem não pratica nem acompanha o futebol – sim, estas pessoas existem, mesmo por aqui – este esporte pode ser um verdadeiro bicho de sete cabeças. Não só pela complexidade das regras, mas por um vocabulário particular que foi criado nesses ambientes.

Com o intuito de facilitar a compreensão dos menos familiarizados e colaborar com o trabalho dos que terão que conviver com essas flexões do léxico, como intérpretes e jornalistas esportivos, os pesquisadores Sabrina Matuda e Tiago Rosa Machado estruturaram um dicionário que relaciona os verbetes criados no futebol, o Dicionário Futebolês.

Por ser bilíngue (português-inglês), o trabalho pode ser útil não só para os que desejam compreender a partida, mas para qualquer pessoa que precise redigir um texto sobre futebol em alguma dessas duas línguas. “As pesquisas e grupos de estudos sobre futebol aumentaram bastante nos últimos anos e esse pessoal precisa, muitas vezes, publicar seus trabalhos em inglês. Além disso, no ano que vem temos a Copa do Mundo, que é transmitida para o mundo inteiro e traz muitos turistas estrangeiros – e a maioria dos intérpretes não é especialista em linguagem do futebol”, explica Sabrina.

O projeto, que é desenvolvido no Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas sobre o Futebol e Modalidades Lúdicas (Ludens) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, surgiu após a fusão das pesquisas individuais. Sabrina mantinha um estudo na área de fraseologias, enquanto Machado se dedicava à questão histórica. Após um tomar conhecimento do trabalho do outro resolveram se reunir. “A ideia da fusão dos dois projetos acabou sendo a melhor escolha, pois no fundo os dois se complementam”, avalia Machado.

A construção do léxico

A língua é algo em constante mudança e isso ocorre tanto pelo contexto cultural quanto pelo histórico. No âmbito do futebol, a linguagem que se compôs foi influenciada por vários  fatores, como os diferentes modos de se jogar, a história do futebol em cada cultura, a  apropriação cultural das regras na Inglaterra e no Brasil, entre outros.

Esse fenômeno não é exclusivo no Brasil. Pelo contrário, países que têm uma cultura do futebol forte como Inglaterra, Itália, Argentina ou Alemanha, apresentam vernáculos que são utilizados para especificar algo dessa prática esportiva, seja uma regra, uma jogada – ou até mesmo um xingamento. Segundo Machado, a riqueza cultural e linguística se manifesta de  modo grandioso por meio desse esporte e de suas  particularidades. “Certamente, cada língua e cada país tem muito a  oferecer nesse campo. Se pudéssemos estabelecer um paralelo entre o português brasileiro e o de Portugal, nestes termos pesquisados já perceberíamos uma grande diferença”.

O glossário

O Dicionário Futebolês reúne verbetes do século 20 porque os autores acreditam que uma análise que dialogue com a história consegue reunir muitos fatores importantes para pensar o presente momento do futebol, da língua e da própria cultura brasileira e inglesa.

“Certamente teríamos elementos bastante férteis se estivéssemos restritos ao século 21, mas estendendo nossa análise para períodos anteriores, conseguimos dar uma dimensão que abre também outras possibilidades de estudos. Entendemos que este é um legado importante do trabalho”, explica Machado.

Entre as dificuldades encontradas para compor a pesquisa quanto à parte terminológica, Sabrina aponta os termos mais culturalmente marcados. Ou seja, aqueles que não possuem equivalente na outra língua ou que só têm seus significados alcançados quando relacionados a algum acontecimento histórico ou marca cultural. Um exemplo é o termo “chocolate” em português, e seu equivalente em inglês: cricket score. Não é possível simplesmente traduzir chocolate para a língua inglesa; não teria sentido nenhum para falantes nativos, da mesma forma que cricket score em português.

Embora a origem da expressão seja incerta, os pesquisadores compartilham a suspeita de que tenha surgido em uma partida do Campeonato Brasileiro, em 1981, em que o Vasco goleou o Internacional por 4 x 0. “O resultado foi, na época, considerado uma vingança pela derrota da final do Campeonato Brasileiro de 1979, em que o Internacional tinha derrotado o Vasco. Na final de 1981, durante a derrota do Internacional, o narrador Washington Rodrigues teria colocado no ar a música ‘El bodeguero’, do cubano Richard Egües, cujo refrão é ‘Toma chocolate / Paga lo que debes’”, explicam os pesquisadores. “Já o significado de cricket score é claro para qualquer inglês que conhece pelo menos um pouco de críquete e sabe que um placar como 517 x 1 é comum no jogo. No entanto, para o brasileiro comum que pouco, ou nada, entende de críquete, a expressão não tem o menor sentido, já que seu significado só é alcançado por meio da análise do contexto sociocultural em que está inserida”, completam.

A dupla pretende que o glossário possa contribuir para os estudos acadêmicos na área do futebol, além de ter uma aplicação prática na Copa do Mundo de 2014, de modo a garantir melhor interação entre os envolvidos no campo esportivo do futebol. O glossário ainda se encontra em fase de finalização, mas os pesquisadores esperam que até o primeiro semestre ele já esteja disponível gratuitamente no site do Ludens. Ainda não há propostas para uma possível comercialização do material.

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