Livros exploram os diversos usos e práticas da arte-educação

Escritos pela ex-diretora do MAC Ana Mae Barbosa e pela professora Ana Amália Bastos Barbosa, livros a serem lançados nesta semana mostram a trajetória do ensino do desenho no Brasil e as relações entre arte e corpo.

Escritos pela ex-diretora do MAC Ana Mae Barbosa e pela professora Ana Amália Bastos Barbosa, livros a serem lançados nesta semana mostram a trajetória do ensino do desenho no Brasil e as relações entre arte e corpo

Foto: Divulgação
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O crítico de arte Eduardo Veras escreveu que “o desenho é um dos instrumentos mais caros para a anotação daquela ideia que irrompe de imediato, urgente, como se brotasse de repente, do nada. O desenho registra ideias, constrói ideias e as irradia. O desenho detona conflitos e busca soluções. O desenho funda novas realidades”. A citação está no livro Redesenhando o Desenho – Educadores, política e história, de Ana Mae Barbosa, professora aposentada da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, ex-diretora do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP e, atualmente, docente da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo. “Sutil e sedutor, tão sedutor como o próprio desenho” são as palavras da professora sobre o texto de Veras.

O livro será lançado nesta terça-feira, dia 9 de junho, às 19 horas, no Centro Universitário Maria Antonia (Ceuma) da USP. Na mesma ocasião, será lançado também o livro Além do Corpo – Uma experiência em arte/educação, da professora Ana Amália Tavares Bastos Barbosa, filha de Ana Mae.

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Terceira obra escrita por Ana Mae no campo da arte-educação, Redesenhando o Desenho é destinado a profissionais da arte e educadores em geral, além de estudantes de Pedagogia, Artes Visuais e Design. Fruto de mais de dez anos de pesquisa, o livro se dedica ao ensino do desenho no Brasil entre as décadas de 1920 e 1950. A autora se propõe a fazer “uma tentativa de periodizar em largas pinceladas o nosso ensino da arte e do desenho”, dividindo o livro em três partes.

No contexto da Virada Industrial (1880-1920), de onde parte Ana Mae, teve destaque na renovação da educação brasileira o nome de Rui Barbosa – um dos precursores da Escola Nova, que se fundou a partir de 1920 – e do filósofo Theodoro de Braga. Nesse período, a professora se aprofunda, ainda, nas relações do Brasil com a América Latina, no que diz respeito à educação. Ao lado de Braga, são ressaltadas as figuras de Adolfo Best Maugard, no México, e da designer Elena Izcue, no Peru.

Cecília Meireles

O núcleo mais importante do livro, segundo a professora, é a segunda parte, que fala das contribuições de figuras que colaboraram para a modernização da educação. “Eu me preocupei também com figuras deixadas à margem”, explica a autora, destacando que um dos principais eixos de sua obra é o mapeamento da história do ensino da arte. “Eu fui mapeando educadores brasileiros que deram importância para a arte e suas influências. Com isso, espero difundir esses nomes para que outras pessoas os estudem e se aprofundem”, afirma. Um deles é o educador, ensaísta e sociólogo brasileiro Fernando de Azevedo, que deu destaque ao desenho na reforma educacional que realizou no Rio de Janeiro – então Distrito Federal –, no final dos anos 20, e que foi continuada por Anísio Teixeira.

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A participação da poetisa e jornalista Cecília Meireles na educação também se distingue, uma vez que a escritora é lembrada, essencialmente, por suas contribuições à literatura. “A reunião de seus escritos de jornal sobre o assunto muito contribuiu para o entendimento da história da educação no Brasil dos meados dos anos 1920 ao período da ditadura do Estado Novo (1937-1945), que ela ousa criticar muitas vezes de maneira sutil, como mandava a situação de perseguição aos educadores, jornalistas e intelectuais”, conta Ana Mae no livro. Têm destaque também nomes como Gerardo Seguel, poeta e educador chileno, e Edgar Sussekind de Mendonça, um “batalhador pela renovação do ensino da arte”, professor de Desenho, educador em museu e militante, que desempenhou importante papel no desenvolvimento do design gráfico.

Por fim, Ana Mae adentra na formação modernista dos professores de arte no Brasil. A análise se volta aos arte-educadores que atuaram na primeira fase da Virada Modernista – chamada “expressionista” e que aconteceu entre os anos 1920 e 1950 –, destacando a influência do Teachers College da Universidade de Columbia, em Nova York, nos Estados Unidos. Na instituição, nomes importantes realizaram cursos de pós-graduação, entre eles Anísio Teixeira. A professora ainda ressalta o trabalho do filósofo John Dewey – apresentando texto inédito do autor, intitulado “Imaginação e expressão” –, da educadora Marion Richardson e de Viktor Lowenfeld, um dos mais influentes arte-educadores do século 20.

Muito além da matéria

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O livro Além do Corpo – Uma experiência em arte/educação – que também será lançado nesta terça-feira, dia 9, no Centro Universitário Maria Antonia (Ceuma) da USP – surgiu da tese de doutorado da arte-educadora Ana Amália Tavares Bastos Barbosa, que em 2002 sofreu um acidente vascular cerebral e ficou tetraplégica e muda, mas completamente consciente e com a cognição preservada. Através de textos – incluindo artigos do blog pessoal da autora – e, principalmente, de uma extensa série de fotografias, a obra é uma das primeiras no Brasil a se utilizar da metodologia artística de pesquisa em educação, na qual o material visual é tão importante quanto o material verbal.

Na obra, a autora apresenta sua experiência como professora de arte para um grupo de crianças com paralisia cerebral, realizada na ONG Nosso Sonho. Segundo a professora Ana Mae Barbosa, mãe de Ana Amália, ela desenvolveu atividades que mostram às crianças que “seus corpos podiam ser instrumentos de brincadeira, e não de sofrimento”, além de estimular suas percepções sensorial, corporal e espacial. O primeiro exercício consistiu na ideia de as crianças deitarem sobre o papel, tendo o contorno de seus corpos desenhados. Desse modo, ao verem os desenhos de si mesmas e, depois, ao pintá-los, as crianças desenvolvem o reconhecimento de seus corpos no espaço.

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Alternando atividades de diferentes níveis – de forma a desconstruir o estereótipo de que paralisia cerebral é sinônimo de deficiência cognitiva –, Ana Amália buscou estimular seus alunos, sem deixar de lado a ampliação do conteúdo cultural. Conceitos como cor, forma e volume foram trabalhados a partir de atividades com base em obras de outros artistas, como Yves Klein, e de visitas práticas a museus, como o Instituto Tomie Ohtake, e ao Jardim das Esculturas, no Parque da Luz, ambos em São Paulo. Atualmente, a professora continua ministrando aulas na ONG Nosso Sonho e desenvolve projeto de pós-doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp) sobre um trabalho de desenho e pintura digital com as crianças.

Serviço

O lançamento de Redesenhando o Desenho – Educadores, política e história, de Ana Mae Barbosa, e de Além do Corpo – Uma experiência em arte/educação, de Ana Amália Tavares Bastos Barbosa, acontece nesta terça-feira, dia 9, às 19 horas, no Centro Universitário Maria Antonia (Ceuma) da USP (rua Maria Antonia, 294, Vila Buarque, São Paulo). Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3123-5200.

Redesenhando o Desenho – Educadores, política e história, de Ana Mae Barbosa, Editora Cortez, 456 páginas, R$ 78,00

Além do Corpo – Uma experiência em arte/educação, de Ana Amália Tavares Bastos Barbosa, Editora Cortez, 200 páginas, R$ 46,00

Victória Pimentel / Jornal da USP

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