Trajetória da pesquisa em HQs no Brasil é tema de lançamentos da ECA

Livros tiveram origem nas "Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos", organizadas pelo Observatório de Histórias em Quadrinhos, da ECA.
Foto: Talles Rodrigues

Superando uma trajetória de preconceitos e rejeição, as histórias em quadrinhos são consideradas, hoje,  a nona arte e marcam presença não apenas como forma de entretenimento, mas como objeto de estudo no meio acadêmico em todo o mundo. No cenário brasileiro, as HQs motivaram a criação do Observatório de Histórias em Quadrinhos, grupo de pesquisa da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP que se dedica ao estudo dessa expressão artística, usando conhecimentos que envolvem comunicação, educação e da linguagem.

No mês de agosto, o Observatório realizou a segunda edição das Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhosevento que reuniu pesquisadores do Brasil e do exterior para discutir e apresentar seus estudos na área. As primeiras Jornadas, realizadas em agosto de 2011, renderam dois livros que estão sendo lançados agora pela Editora Criativo. Os Pioneiros no Estudo de Quadrinhos no Brasil e a obra Intersecções Acadêmicas – Panorama das 1as Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos foram lançadas no dia 28 de setembro, na Comix Book Shop.

O livro Os Pioneiros no Estudo de Quadrinhos no Brasil reúne testemunhos dos pesquisadores que compuseram a mesa de abertura das Primeiras Jornadas: Álvaro de Moya, Antonio Luiz Cagnin, Moacy Cirne, Sonia Bibe Luyten e Waldomiro Vergueiro, que é um dos líderes do Observatório. Além deles, há também no livro um relato do professor José Marques de Melo, um dos grandes nomes dos estudos em comunicação no país. “A mesa tinha como objetivo fazer um histórico sobre como ocorreu a pesquisa de quadrinhos no Brasil. Depois, quando terminou, nós não queríamos que tudo o que havia sido dito e debatido se perdesse. Então nós resolvemos fazer um livro com depoimentos”, conta Waldomiro.

Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

Os relatos revelam os obstáculos que os estudiosos tiveram que superar para que pudessem colocar definitivamente os quadrinhos dentro das universidades. “Nós tentamos, como organizadores, fazer com que todos falassem sobre as dificuldades que encontraram ao longo de suas carreiras. Sobre como é que foi construir esse novo campo do conhecimento, no qual foi necessário trazer para dentro da universidade um tema que era rejeitado”, comenta.

A obra Intersecções Acadêmicas contém 22 artigos que se destacaram entre os 250 trabalhos inscritos nas Primeiras Jornadas. Os artigos chamam a atenção por relacionarem as histórias em quadrinhos a outras áreas do conhecimento, como a Linguística, a História, a Educação e a Literatura

Um novo campo do conhecimento

A maior questão presente nos estudos das HQs, explica o professor Waldomiro, é a de que os quadrinhos não possuem uma teoria própria. Ou seja, não existe uma base teórica acadêmica voltada apenas para os quadrinhos, por tratar-se de uma área de pesquisa que esteve muito tempo fora do ambiente acadêmico. Por isso, para realizarem seus estudos, os pesquisadores usam elementos de outros campos, como da Linguística, da Semiótica, da História, da Comunicação, das Letras, da Psicologia, da Educação, da História, da Geografia, entre outros.

Até mesmo a denominação que se dá a essa arte é difusa. Nos Estados Unidos, dá-se o nome de comics, em função da comicidade que as primeiras produções desse formato continham; já na França, utiliza-se o nome bandes-dessinées – no caso, “banda desenhada” -, pois os primeiros quadrinhos do país eram publicados em tiras (em francês, bandes) nos jornais diários. Na Itália, os quadrinhos foram batizados a partir dos balõezinhos, ou fumacinhas (fumetti, em italiano), que indicam a fala das personagens; enquanto que na Espanha, os quadrinhos são chamados de tebeo, palavra derivada do nome de uma publicação infantil espanhola, a revista TBO – de forma semelhante, no Brasil as HQs também são conhecidas pelo nome de uma publicação: a extinta Revista Gibi, do Grupo Globo. Embora ainda existam outros nomes para as histórias em quadrinhos, pode-se afirmar que todos eles referem-se, enfim, à mesma coisa: uma forma de narrativa por meio de imagens em sequência.

“Nós tivemos que construir tudo desde a fundamentação teórica. Então é um desafio diário, mas fascinante. Porque nós não ficamos parados, pois é sempre possível dar um novo enfoque a um tema já discutido”, afirma Waldomiro. Mas nem sempre foi assim. No período após a Segunda Guerra Mundial, as histórias em quadrinhos passaram a tratar de temas mais violentos e sombrios. E como resposta, apareceram nos Estados Unidos os primeiros sinais de rejeição aos quadrinhos – reação que logo migrou para o Brasil. Os quadrinhos acabaram sendo desaprovados nas escolas, nos lares e nos meios de comunicação, através de uma atitude que visava não apenas proibi-los, mas erradicá-los. A atitude de alguns estudiosos, no entanto, fez com que aos poucos esses preconceitos fossem derrubados, até que os quadrinhos fossem consagrados como uma das grandes artes.

Foto: Talles Rodrigues

A professora Sonia Luyten está entre esses estudiosos. Ela foi responsável pela constituição, em 1972, da disciplina de Editoração em Histórias em Quadrinhos na ECA, o que marcou o início de toda uma atividade sobre os quadrinhos que foram posteriormente desenvolvidas na Escola. A partir da disciplina, a professora também criou a  revista Quadreca e estruturou o acervo de quadrinhos da Biblioteca da ECA. “A primeira iniciativa brasileira de uma disciplina voltada aos quadrinhos aconteceu na Universidade de Brasília (UnB). Mas ela durou apenas cerca de três anos, e depois foi encerrada. Já a disciplina da professora Sonia começou em 1972, e tem sido oferecida até hoje, ininterruptamente”, comenta Waldomiro.

Anos mais tarde, na década de 1990, os professores Álvaro de Moya, Luiz Cagnin e Waldomiro Vergueiro criaram o Núcleo de Pesquisa em Histórias em Quadrinhos – hoje chamado de Observatório de Histórias em Quadrinhos. O Observatório realiza colóquios e reuniões mensais, abertas aos interessados na pesquisa acadêmica, e recebe palestras de pesquisadores que realizem estudos de mestrado ou doutorado.

Mais informações: (11) 3091-4076, email wdcsverg@usp.br, com Waldomiro Vergueiro

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