Universidade em Movimento: USP discute origens e soluções para crise

Seminário marca lançamento de edição da Revista USP sobre as origens da crise vivida pela instituição, as soluções possíveis e os desafios a serem enfrentados nos próximos anos.

Seminário marca lançamento de edição da Revista USP sobre as origens da crise vivida pela instituição, as soluções possíveis e os desafios a serem enfrentados nos próximos anos

Se a articulação entre ensino, pesquisa e extensão é o princípio da universidade, a gestão parece ser a base que sustenta o tripé e torna possível, de forma contínua e crescente, a realização destas atividades-fim. Nos últimos três anos, a USP tem vivido uma crise orçamentária que, além de trazer à tona discussões sobre a governança universitária, também provocou uma reflexão sobre seu papel na sociedade e a postura que deve adotar nos próximos anos.

No dia 1º de outubro, alguns dos mais importantes nomes da Universidade se reuniram na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) para apresentar sua visão sobre o momento por que passa a instituição. Exercendo papel relevante não apenas como corpo docente, mas em questões administrativas, os convidados do seminário Universidade em Movimento são os autores dos artigos que compõem a edição 105 da Revista USP, lançada durante o evento.

O dossiê foi organizado pelo ex-reitor da USP e professor da FEA Jacques Marcovitch. “Ele pensou tudo isso de forma que a visão global de cada texto não colidisse com a anterior ou com a posterior. São várias visões, de várias áreas e campos, que se somam para compor um todo harmônico”, afirma o editor da publicação, Francisco Costa. A ideia surgiu a partir de um encontro de dirigentes realizado em março deste ano. “Decidimos fazer o dossiê como forma de materializar esta discussão sobre governança universitária”, explica Marcovitch.

Um dos principais entusiastas da edição, o professor Sergio Adorno, diretor da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH), ressalta a importância de que as questões levantadas repercutam não apenas entre a comunidade interna, mas que se estendam a toda a sociedade, mostrando que a USP está consciente dos problemas e buscando saídas. “E este debate serve para potencializar a busca de um entendimento comum, ainda que transitório”. Em sua fala, Adorno lembrou a necessidade de manter na Universidade o debate de ponta, extrapolando o senso comum, e de promover espaços para encontros como esse. “Aprende-se muito nas crises, são momentos que forçam a imaginação, a busca de soluções. Temos que olhar para o lado positivo desse momento”, pontuou. 

Foto: Marcos Santos
Foto: Marcos Santos

Avaliação e qualidade

No seminário, alguns dos participantes lembraram que o momento de crise é de todo o país, e a universidade não é exceção. O ex-reitor e atual presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) José Goldemberg destaca, no entanto, que há uma acomodação em relação ao retorno que a universidade dá à sociedade. “Custamos caro e precisamos devolver mais. Só cursos de graduação não é a resposta, e isso é uma discussão essencial para conseguir recursos públicos”, argumenta. Professor Emérito do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), Goldemberg presidiu a comissão coordenadora dos 80 anos da USP, oportunidade em que pôde discutir a questão da excelência, indicadores e métricas, e também fazer uma projeção sobre os próximos 20 anos da Universidade.

“Um dado inquietante que encontrei é que o impacto dos trabalhos feitos dentro da Universidade tem se mantido estável nos últimos dez anos, com uma leve tendência de queda. Isso não pode continuar. Especialmente em momentos de crise, precisamos de inovação, de novas ideias”, afirmou. No artigo elaborado para a Revista USP, o físico aponta como soluções para elevar a excelência uma avaliação mais rigorosa dos docentes e a criação de novos mecanismos de avaliação dos departamentos.

Dedicado também à questão da avaliação dos docentes, o professor Luiz Nunes de Oliveira, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), destacou que o critério baseado apenas no número de publicações é muito rudimentar e que é necessário criar metas ambiciosas para melhorar as atividades de ensino, pesquisa e extensão. “Acho que nesse momento não há saída senão trazer para o dia a dia dos docentes a cultura do planejamento”, afirmou no encontro. “A crise que temos agora é passageira. O outro desafio é mais sério e estará conosco por muito tempo”, complementou.

Foto: Marcos Santos
Foto: Marcos Santos

Desequilíbrio financeiro

Durante o seminário, o vice-reitor Vahan Agopyan comentou as medidas adotadas pela atual gestão da USP em resposta à crise orçamentária, como a implantação de uma Controladoria na USP, a criação do Portal da Transparência, as atividades da Comissão de Orçamento e Patrimônio, além do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária. “Insisto em dizer que o que há é um desequilíbrio financeiro. Estamos pagando os funcionários e fornecedores em dia, não há acordos com bancos, isso não é crise. A Reitoria está tomando medidas para que, no ano que vem, a crise de fato não ocorra”, disse.

Autora de artigo sobre autonomia e responsabilidade universitária, a professora da Faculdade de Direito (FD) Nina Ranieri deu sequência à fala do vice-reitor abordando a possibilidade de ter evitado esse desequilíbrio por meio de mecanismos previstos em lei, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, adaptados às especificidades das universidades públicas. Segundo Nina, que já foi Secretária Adjunta da Secretaria Estadual de Ensino Superior, é preciso conhecer muito bem as questões que envolvem o emprego de recursos, já que as universidades têm um campo muito amplo de autonomia. “Elas vivem, sem dúvida, uma parcela da crise geral que vivemos. Mas o que observamos tanto na questão nacional como na institucional é que havia instrumentos que poderiam ter evitado a potencialidade assumida pela crise. Autonomia não existe sem responsabilidade”, defende.

O professor Carlos Antonio Luque, do Departamento de Economia da FEA, assina na Revista USP uma discussão sobre financiamento das universidades públicas estaduais, onde também estabelece uma relação entre a situação econômica geral e a das instituições de ensino. Em sua fala, explorou as várias pressões e disputas que envolvem a destinação orçamentária, considerando sua experiência durante onze anos como Secretário Adjunto da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo. Nos comentários finais, reforçou sua convicção de que todos os desafios serão superados e o otimismo em relação à continuidade da USP como fundamental no desenvolvimento da ciência no Brasil.

Foto: Marcos Santos
Foto: Marcos Santos

Debate contínuo

Presente no debate, o recém-empossado Superintendente de Comunicação Social (SCS) da USP Eugênio Bucci enfatizou a importância de prosseguir a discussão, possivelmente em um grupo permanente, para pensar em um novo formato para a universidade do futuro. “É uma tarefa que precisa ser realizada e esse documento é prova disso”, referindo-se edição da Revista USP. Assim como outros colegas do seminário, Bucci fez menção à abertura que torna possível, hoje, um debate como esse, rememorando os tempos de regime militar, quando os princípios de liberdade, autonomia e transversalidade do conhecimento na universidade estavam sob ameaça, como ressaltou Adorno.

“Eu espero que haja muita discussão a respeito, porque é o que está faltando. Esse número dá um pontapé inicial nessa história de uma forma bem bacana, bem ordenada e também, da nossa parte aqui da revista, bem caprichada”, destaca o editor da Revista USP.

Organizador do dossiê que gerou o seminário, Jacques Marcovitch pontuou que a presença de docentes na gestão da Universidade é uma escolha, um modelo de governança que não é unânime nas instituições de ensino superior pelo mundo, mas que a USP adota por entender a relevância desse papel e por ter em seu corpo professores que assumem responsabilidades que transcendem as atividades-fim. “Muitos desses professores já poderiam estar aposentados, mas continuam se dedicando à Universidade. A USP é um ambiente muito diferente de trabalho, com pessoas talentosas, e quando surge um desafio como esse que estamos vivendo, as ideias criativas vão surgindo, a dedicação aumenta”, afirmou o professor Vahan Agopyan. “É uma honra recepcionar essa mesa. Ofereço a casa continuamente para prosseguir com essa atividade fundamental para o bem da USP”, declarou o diretor da FEA Adalberto Fischmann.

Revista USP

A Revista USP, publicação trimestral da Superintendência de Comunicação Social da USP, pode ser encontrada em São Paulo nas livrarias da Edusp, Livraria da Vila e Livraria Cultura. No Rio de Janeiro, está disponível na Livraria Travessa. Também é possível receber a publicação em casa. Informações sobre assinaturas podem ser consultadas neste endereço.

Números anteriores podem ser acessados no site da revista ou no site da publicação no Portal de Revistas USP. Mais informações pelo número (11) 3091-4403 ou email revisusp@edu.usp.br.

Colaborou: Bianka Vieira

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