Cobertura de revistas sobre cotas traz reflexos históricos

A pesquisa foi feita baseada na cobertura jornalística de três revistas semanais: Caros amigos, Carta Capital e Veja.

O sistema de cotas nas universidades públicas brasileiras, apesar de consolidado pela legislação, ainda pode ser considerado “polêmico”, ao menos em relação à cobertura da mídia. Para a jornalista Tatiana Cavalcante de Oliveira Botosso, as abordagens dadas pela mídia ao tema trazem reflexos históricos, visto que o Brasil é um país que teve todas as suas relações construídas a partir do racismo, quando se formaram as elites brancas. “Os grandes meios de comunicação sempre foram dominados por esta mesma elite”, afirma a jornalista.

Tatiana é autora do estudo Negros na Universidade – cobertura da mídia sobre as políticas de inclusão sócio racial no Brasil. A pesquisa de mestrado foi apresentada na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, sob orientação do professor Dennis de Oliveira. Para realizar seu estudo, Tatiana analisou a cobertura de três revistas semanais sobre a votação da lei de cotas nas universidades e institutos federais pelo Superior Tribunal Federal (STF), em 2012.

A pesquisadora escolheu as publicações Carta Capital, Veja e Caros Amigos. “São revistas que possuem linhas editoriais distintas. Podemos identificar que duas delas, Carta Capital e Caros Amigos, têm uma posição mais à esquerda, enquanto a Veja defende opiniões mais à direita”, avalia. Ao todo, foram selecionadas 12 matérias sobre o tema veiculadas nas três revistas durante o ano de 2012, entre os meses de abril e setembro. “Foram dois textos da Caros Amigos, cinco da Veja e outros cinco da Carta Capital”, conta.

Percorrendo o racismo

Antes mesmo de analisar os textos das publicações, Tatiana traça em seu estudo um panorama em relação ao racismo, desde o escravismo e analisando dados socioeconômicos atuais entre as populações brancas e negras. “Também estudei parte da história do jornalismo em relação ao tema e os movimentos negros que ocorreram desde o escravismo até a conquista das primeiras ações afirmativas”, descreve. Nesta trajetória de estudos, ela analisou a importância dos movimentos de mulheres negras chegando ao Programa Universidade para Todos – PROUNI, e à Lei de Cotas.

Todo esse caminho é descrito no início de seu estudo e permitiu avaliar de maneira ampla como a mídia trata o racismo no Brasil. A partir daí a pesquisadora avaliou as publicações e suas respectivas características.Ela conta que, no período analisado, a Revista Caros Amigos contava com três escritores negros: o poeta Sérgio Vaz, o historiador Joel Rufino dos Santos e o MC Leonardo. “São textos opinativos e que, em geral, não refletem a opinião ou a linha editorial da revista. O professor Joel Rufino, por exemplo, sempre defendeu em seus textos que o caminho para combater a desigualdade é a conscientização e a educação. Ele tinha uma visão histórica do racismo”, descreve. Tatiana afirma ainda que “os dois textos selecionados para análise foram de Joel, que era favorável às cotas para negros nas universidades.”

Já com relação à revista Carta Capital, Tatiana descreve o enfoque econômico da publicação. “Ela manteve, ao mesmo tempo, um discurso informativo e optou por discutir as cotas sob o ponto de vista da legalidade”, explica. Na opinião da pesquisadora, a linha editorial da revista mostrou dificuldades em lidar com o tema racismo e cotas e não apresentou posicionamento nem favorável, nem contrário às cotas.

Tatiana descreve que dentre as três publicações, a Revista Veja mostrou-se a mais conservadora. “A revista trata a educação sob o viés do mercado, como um negócio. Por consequência, acaba abordando a desigualdade racial como um problema socioeconômico, principalmente para justificar as opiniões contrárias às cotas lá expressas”, avalia. Ela ressalta ainda que a Veja também deixa claro as opiniões em relação às políticas de inclusão do governo, considerando-as ineficazes e populistas. “E também traz um discurso que nega a desigualdade racial”, lamenta, ressaltando que, “apesar da mobilização do movimento negro que resultou na conquista de políticas públicas de ações afirmativas, um longo percurso ainda há de ser trilhado para o empoderamento da população negra e a efetiva igualdade racial.”

Antonio Carlos Quinto / Agência USP de Notícias

Mais informações: email tatimidiausp@gmail.com

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