Modelo de governança é adaptado para clubes de futebol

O modelo engloba cinco áreas: cultura organizacional e práticas de gestão; sustentabilidade financeira; direitos dos associados; conselhos de clube; e auditoria externa e independente.

Um modelo de governança corporativa específico para clubes de futebol pode melhorar a gestão interna, além de servir de base para um eventual marco regulatório do setor, mostra estudo realizado na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEARP) da USP. O modelo para os clubes é descrito na tese de doutorado do professor universitário Daniel Siqueira Pitta Marques, orientada pelo professor André Lucirtom Costa, da FEARP.

O modelo final apresenta 5 dimensões: cultura organizacional e práticas de gestão; sustentabilidade financeira; direitos dos associados; conselhos de clube (administração, deliberativo e fiscal); e auditoria externa e independente. Cada um desses itens contempla várias sugestões e práticas que visam a um maior nível de qualidade da governança.

A governança corporativa envolve todos os mecanismos e práticas de direção e controle em uma organização. Sua origem veio da tentativa de solucionar os chamados conflitos de agência, originados pela separação, nas organizações, entre propriedade e controle: quem é o dono / quem administra.

“Em um enfoque mais amplo e atual, também busca conciliar os interesses de todos os stakholders [proprietários, gestores, setor público, fornecedores, clientes, etc.]“, aponta o pesquisador. “Atualmente, uma maior transparência na gestão e a profissionalização dos gestores pode ser um diferencial. Entretanto, no futuro, esses fatores poderão se tornar uma condição primordial para a sobrevivência dos clubes e a credibilidade de sua gestão”.

Marques realizou um levantamento dos principais modelos de governança corporativa existentes por meio de pesquisa em órgãos como o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), a Organização para Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE), o International Corporate Governance Network (ICGN), além de uma revisão bibliográfica sobre gestão de clubes de futebol. Com base nessa análise, o pesquisador elaborou um modelo de governança corporativa e o submeteu a alguns especialistas do setor (Ministério dos Esportes, deputados, jornalistas esportivos, dirigentes de clubes, membros de confederações e federações e também profissionais ligados à governança). Esses especialistas puderam concordar ou discordar das propostas e apresentar sugestões de ajustes, inclusão ou exclusão de itens, além de avaliar a relevância da aplicabilidade do modelo.

Limites de voto

O pesquisador realizou as adequações sugeridas e escolheu dois itens para verificar se eram ou não utilizados em clubes. Esses itens são mais inovadores, e discordantes de práticas de governança tradicionalmente consagradas e utilizadas em outros setores. O primeiro é se havia limite de voto por pessoa, independentemente do numero de títulos adquiridos. E o outra é se os clubes exigiam tempo mínimo para a possibilidade de voto. A partir desses dois itens, o pesquisador fez um levantamento junto aos 20 clubes da série A e aos 20 da série B do Campeonato Brasileiro de futebol. Desses, 27 disponibilizavam o estatuto social na internet. Marques analisou esses estatutos e constatou que a maioria era favorável a esses dois aspectos.

Marques explica que, nas empresas de capital aberto, os acionistas possuem, nas assembleias gerais, um direito a voto proporcional ao número de ações que possuem. “Mas esse exercício proporcional, no caso dos clubes, pode ter um efeito negativo na condução dos destinos dos mesmos, ao concentrar o poder decisório nas mãos de uma pessoa ou de um pequeno grupo”, revela. A grande maioria dos stakholders – no caso, os torcedores – pode ser considerada como um público altamente interessado, mas sem direito a voto. E mesmo a figura do sócio-torcedor não contempla essa possibilidade. “Fica difícil para os gestores conseguirem ter legitimidade diante desse público que não têm voz”, comenta.

“Na maioria dos clubes, o voto é limitado a um por pessoa. Também é comum a exigência de um tempo mínimo como associado para o exercício desse direito. Essas são características que, apesar de recomendáveis para os clubes, vão contra as práticas de governança recomendadas para organizações privadas com fins lucrativos. No caso dos clubes, tal restrição serve para evitar que alguém se associe a um clube de futebol apenas para o exercício do voto, comprometendo interesses da coletividades do clube. Neste sentido, recomenda-se a adoção de um limite de prazo mínimo de associação, como uma carência, para haver possibilidade de voto”, explica.

Transparência

“São muito comuns as notícias sobre problemas administrativos nos clubes, como má gestão e endividamento, principalmente no Brasil, um pouco na América Latina e até na Europa. Isso acaba levando a crises de credibilidade”, destaca o pesquisador, lembrando que existe todo uma maior conscientização por parte da opinião pública exigindo maior transparência dos clubes. Marques acredita que a legitimidade, a gestão eficiente e a sustentabilidade financeira são alguns mecanismos que ajudariam a melhorar esse quadro.

Ele ressalta que não é a formatação jurídica, como clube empresa, que traz a excelência administrativa. “A gestão mais profissionalizada envolve especialistas com preparo, experiência e que podem se dedicar a esse trabalho em tempo integral. Esse é um dos fatores que podem trazer êxito para a administração do clube”, finaliza. O modelo está disponível na tese de doutorado Administração de clubes de futebol profissional: proposta de um modelo específico de governança para o setor. Link para consulta e download.

Mais informações: email dspmarques@uol.com.br, com Daniel Siqueira Pitta Marques

Scroll to top