No Laboratório de Estudos da Ásia (LEA) – continente gigante tanto em dimensão quanto em diversidade cultural e política – um grupo de trabalho dedica-se especificamente às questões do Oriente Médio. Lideradas pelo professor Peter Demant, as pesquisas e discussões giram em torno de numerosos temas – muitos dos quais incluem questões polêmicas que, apesar de estarem presentes no noticiário, nem sempre recebem uma análise mais aprofundada.
Assim, o antigo conflito entre Israel e Palestina e os recentes choques entre a cultura ocidental e oriental na Europa estão sempre presentes nas análises do grupo.
Carreira – pesquisa e ativismo
Nascido na Holanda e com ascendência judaica, o professor Peter Demant passou a juventude na Bélgica, mas voltou seus estudos universitários para seu país de nascimento. Nos anos 1980 lecionou na Universidade de Amsterdã. O tema de seu doutorado foi a colonização de Israel na palestina entre 1967 e 1977, baseando-se em documentos oficiais e mais de 80 entrevistas realizadas no local. Seu trabalho gerou repercussão. Durante os 10 anos em que ficou em Jerusalém, nos anos 1990, Demant participou de programas humanitários e atuou como ativista em intervenções de paz no Oriente Médio, buscando sempre a interação entre o ativismo e a academia. “Fui ativista quase full-time, mas sempre estive ligado à pesquisa acadêmica”, afirma.
Chegou ao Brasil em 1999 e começou a lecionar Relações Internacionais em uma faculdade particular. Em 2001 foi contratado como professor visitante da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP para lecionar sobre história da Ásia. “Sou especialista em Oriente Médio, que é uma parte apenas da Ásia, com porções também na Europa e África. Acho que mais aprendi com meus alunos do que ensinei”, reconhece com bom humor.
Em 2002 foi efetivado pelo Departamento de História, mas integra também o quadro de docentes do recém-fundado Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP. Na FFLCH, Demant coordena, junto com o professor Ângelo Segrillo, o LEA e seu Grupo de Trabalho Oriente Médio e Mundo Muçulmano, ministrando aulas nas duas unidades.
Seu livro Mundo Muçulmano (Ed. Contexto, 2004) conta a história da cultura e religião islâmica sob um ponto de vista histórico e político, focando a questão do islamismo, em particular o fundamentalismo muçulmano. A obra também discute os conflitos atuais no Oriente Médio e aponta possíveis caminhos para sua solução pacífica. O livro já foi reeditado quatro vezes e tem uma versão traduzida para o inglês. Sua tese de livre docência pela USP sobre as causas da hegemonia global do ocidente e os “choques dos universalismos” entre as ideologias democrática e islamista será publicada em breve em outro livro.
Autoridade no assunto, Demant comenta a seguir temas polêmicos como a proibição do uso do véu em ambientes públicos da França e um possível confronto do Irã com o ocidente.
O Estado de Israel
Conflito sangrento que já dura meio século, o choque entre israelenses e palestinos parece não ter uma breve solução. Na visão do pesquisador, há apenas duas maneiras para que o problema seja resolvido: a criação de dois Estados, um palestino e um israelense (o que defende há muitos anos), ou a criação de um Estado único binacional, eventualmente num formato federal. Esta última hipóstese acredita ser inviável, pois “ambos os povos não só detestam um ao outro mas também têm diferenças insuperáveis nos níveis sociais, culturais e econômicos. Em algum momento haveria novo conflito e o problema recomeçaria em outros moldes”, afirma Demant.
“Cada povo acredita ter mais direitos que o outro e ambos se sentem como minorias, como se
o ‘outro fosse sempre mais forte e hostil’ ”.
Demant percebe na intelectualidade tanto ocidental quanto global uma virada pró-árabe e pró-palestina, contrastando com o período posterior à Segunda Guerra Mundial quando, em decorrência do Holocausto, houve maior consenso sobre a necessidade da criação de um Estado judaico para defender a segurança deste povo.
Véu
Uma lei francesa de 2004 proíbe uso do véu muçulmano nas escolas públicas; uma outra, aprovada em 2010, veta o uso da burqa – vestimenta islâmica que cobre todo o corpo da mulher – em lugares públicos. A França é o país na União Europeia com maior número de muçulmanos (cerca de 10% da população) e a primeira a restringir o uso de símbolos religiosos de maneira mais radical. Para Demant, essa política indica que “todos devem ser, em primeiro lugar, franceses, independentemente de sua origem”. Na visão do pesquisador, é uma forma do país tentar zelar pela sua identidade.
“Entendo a restrição à burqa que quase impossibilita convivência e comunicação, além de nutrir medos securitários. Por outro lado, é perfeitamente possível conviver com pessoas usando o véu. O problema não é o símbolo. É que o uso do véu por vezes embute atitudes repressivas que não condizem com a democracia”, afirma Demant.
“Há muito mais casamentos mistos entre muçulmano/as e autóctones na França do que em outros países”.
Comparando a forma como se dá o processo de assimilação na França e na Inglaterra, que tem um modelo mais multiculturalista, o professor vê outro tipo de problema. “Na Grã-Bretanha o governo financia escolas islâmicas e os muçulmanos têm uma situação econômica melhor, em sua maioria. No entanto, a ênfase oficial nas diferenças culturais torna mais difícil a integração entre as comunidades, o que pode gerar guetificação”, afirma.
Irã
Inimigo declarado dos Estados Unidos, o governo de Mahmoud Ahmadinejad no Irã tem tido espaço diário nos jornais do mundo. O programa de enriquecimento de urânio pelo país do Oriente Médio, que tem como justificativa o uso na geração de energia, tem irritado muitos países ocidentais e outros, que afirmam se tratar de um programa para fabricação da bomba atômica.
Sobre um possível confronto armado, Demant acredita não se tratar da melhor estratégia para os Estados Unidos, “pois um ataque preventivo levaria o país e boa parte do Oriente Médio a uma onda antiocidental maior ainda”. Segundo ele, o regime teocrático atual do Irã é “detestado pela maioria da população”, mas um ataque americano poderia incitar tendências nacionalistas no povo, o que beneficiaria o regime e geraria um conflito de proporções mundiais.