Nathalia Nicola / Assessoria de Comunicação da EESC
Em seus 60 anos de existência, a Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP já formou cerca de nove mil engenheiros. O que parece comum, não foi nada natural para a única aluna da primeira turma do curso de Engenharia Civil, em 1957, Evelyna Bloem Souto.
Aos 86 anos, vivendo em uma casa de repouso na capital paulista, Evelyna relembra com clareza e entusiasmo os momentos que viveu dentro da Escola, especialmente aqueles em que a presença do sexo feminino destoava em meio aos engenheiros, profissão estritamente masculina na época.
Filha do primeiro diretor da EESC, Theodoreto de Arruda Souto, Evelyna iniciou sua graduação na Escola Politécnica (Poli) da USP, em São Paulo, e no terceiro ano de faculdade transferiu seu curso para São Carlos; por conta disso, além de única aluna mulher, ingressava na primeira turma de Engenharia Civil da Escola.
Desde pequena admirava a profissão de seu pai. “Papai tinha um amigo chamado Camargo que sempre nos visitava. Quando ele chegava, eu ia para a sala e ficava ouvindo a discussão dos dois sobre Engenharia. Queria essa profissão desde pequena”, contou.
Sua dedicação à engenharia sempre foi intensa. Como aluna, Evelyna participou de mais de 60 congressos por diversos países e constantemente recebia bolsas de estudos para desenvolver suas pesquisas em outras universidades, como na Harvard University. Após a graduação, continuou suas atividades acadêmicas até adquirir o título de PhD e ministrou aulas de Geotecnia na EESC até sua aposentadoria.
Não queriam que eu entrasse [no túnel sendo construído da França à Itália]. Fizeram com o que eu me vestisse de homem, colocasse galochas, prendesse o cabelo e desenhasse barba e bigode no meu rosto.
Evelyna conta com orgulho os desafios que enfrentou na sua profissão por ser mulher. “A primeira bolsa que consegui foi em Paris. Eu e mais 10 alunos homens fomos visitar um túnel que estava sendo feito para ligar a França à Itália. Eu fiz questão de estar lá porque sabia que posteriormente teríamos de construir túneis no Brasil, mas não queriam que eu entrasse. Fizeram com o que eu me vestisse de homem, colocasse galochas, prendesse o cabelo e desenhasse barba e bigode no meu rosto. Só assim pude verificar as obras. Essa foi a maior prova de preconceito que sofri na época”, relatou.
Outra ocasião de preconceito vivida por Evelyna foi durante a criação do departamento de Geologia e Mecânica dos Solos, que contou com a colaboração dela.“O presidente me fez assumir o papel de bibliotecária para que ninguém soubesse que eu era engenheira. Mas fui conquistando o meu espaço, e não demorou muito para eu virar chefe de tudo”, lembrou.
Porém, ser mulher também tinha suas regalias. Durante a visita do Presidente da República, Juscelino Kubitschek, e do Governador do Estado de São Paulo, Jânio Quadros, ela foi incumbida de mostrar a EESC às autoridades. “A visita do presidente foi a melhor lembrança que tenho. Fui eu que mostrei a Escola de Engenharia pra ele, que muito curioso fazia várias perguntas, mas eu adorava responder. Senti-me importante”, contou.
Evelyna participou de processos cruciais no desenvolvimento da Escola – sua instalação, estruturação, consolidação -, contribuindo para que a instituição viesse a se tornar referência nacional na área de Engenharia, com reforços constantes no desenvolvimento da sociedade brasileira por meio da difusão de conhecimentos.
O presidente me fez assumir o papel de bibliotecária para que ninguém soubesse que eu era engenheira. Mas fui conquistando o meu espaço, e não demorou muito para eu virar chefe de tudo.
“Estou muito feliz em saber que a minha querida Escola de Engenharia de São Carlos está completando 60 anos. Essa instituição foi muito importante na minha vida. Espero que, assim como eu, todas as alunas de engenharia possam ter a determinação que tive e passar por cima de todos os problemas que enfrentei”, finalizou Evelyna.
Na turma de Engenharia Civil deste ano (2013), as mulheres representam 23% dos alunos ingressantes.