Conhecer o solo é fundamental para determinar as culturas que melhor se adequam a ele, corrigir suas deficiências e aumentar a produtividade de forma sustentável, especialmente no Brasil, onde o sistema agrícola avança a passos largos. Uma das ferramentas mais importantes disponíveis para o agricultor nesse sentido é a análise de solos. O método mais comum de análise, praticado em todo o mundo, no entanto, é caro e demorado: é preciso colher uma amostra, enviá-la a um laboratório, pagar pelo serviço, e esperar de dez a quinze dias para obter o resultado.
Durante o período militar, um mapeamento de solos foi realizado no país, mas em pequena escala – voltado apenas para o conhecimento do território e não às necessidades do agricultor, os dados disponíveis não são compatíveis com as atuais necessidades agrícolas. Buscando reverter esse cenário, um grupo de pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP dedica-se ao uso da tecnologia para mapear os solos brasileiros. Liderado pelo professor José Alexandre Demattê, o GeoCiS (Geotecnologias em Ciência do Solo) utiliza, entre outras técnicas, a espectroscopia de solos para realizar esse trabalho, que gerou o projeto Biblioteca Espectral de Solos do Brasil, a reunião de diversos conjuntos de amostras de terra e suas respectivas análises.
Espectroscopia: a leitura do solo
A técnica da espectroscopia consiste na interação de uma fonte de luz com uma amostra de solo. A luz incide na amostra e interage com ela e um sensor capta a luz refletida. Há uma relação física entre os componentes da amostra e os diferentes comprimentos de onda da luz, por isso esta técnica fornece as informações desejadas sobre o solo estudado, como o teor de argila, carbono e ferro, a mineralogia, cor, entre outras características.
“Cada solo tem um padrão espectral”, explica Demattê. Assim, as características observadas são relacionadas com as classes de solos conhecidas, permitindo ao agricultor planejar com mais eficiência sua produção. Isso porque os índices de produtividade de determinadas culturas estão associadas à classe de solo em que são cultivadas, caso da cana-de-açúcar. Plantar a variedade certa no solo adequado, assim, é sinônimo de otimizar a produção. Além disso, conhecendo os teores de argila e matéria orgânica no solo, é possível calcular as dosagens de herbicida permitidas para aquela cultura.
“A vantagem da espectroscopia é que você pode fazer a leitura com um sensor em qualquer lugar, dentro de um laboratório, diretamente no campo, em um avião ou satélite, permitindo avaliar o solo sob diversos pontos de vista”, diz Demattê. Segundo o pesquisador, o método de análise comumente utilizado, além de ter um custo elevado e demandar tempo, gera resíduos químicos que agridem o meio ambiente, caso não sejam adequadamente armazenados.
O uso da espectroscopia para análise de solos, conta o agrônomo, não é uma novidade. “Há mais de 60 anos os pesquisadores vêm estudando sensores para fins de solos”. Mas o que acontece no cenário atual é que cada pesquisador desenvolve seu trabalho com amostras de sua região, e nem sempre esse trabalho fica disponível à comunidade científica. A partir dos anos 2000, a informática avançou bastante, e novos sensores e pacotes estatísticos tornaram a espectroscopia uma tecnologia mais interessante ao estudo de solos.
Biblioteca de Solos
Com a reunião dos padrões espectrais dos solos de todo o país, Demattê espera que os pesquisadores da área se comuniquem mais e que as análises possam ser feitas em menos tempo e com menor custo. “Os padrões em uma biblioteca centralizada permitem que um pesquisador faça a comparação dos solos de um local desconhecido. Pesquisadores do Brasil inteiro que estejam fazendo trabalhos na área, quando tiverem dúvida de uma amostra desconhecida, vão poder entrar na Biblioteca e, por comparação, descobrir de qual solo se trata, pelo menos numa primeira avaliação”.
Os pesquisadores não esperam que essa metodologia substitua as análises tradicionais – necessárias, por exemplo, quando é necessário maior detalhamento da amostra – mas que otimize o processo de amostragem e análise. “Países da Europa e da África, além dos Estados Unidos e a Austrália, estão fazendo as análises assim, não podemos ficar para trás”, afirma Damattê.
A Biblioteca permitirá compreender a variabilidade dos dados sob a perspectiva dos espectros e validar seu potencial ao nível nacional. Trata-se de um projeto colaborativo: quem quiser participar, pode fazer a doação da amostra no laboratório da Esalq, que realiza as leituras. O professor conta que a biblioteca já recebeu diversas colaborações e que as leituras que já estão sendo feitas. “Nosso plano é, até março, ter uma quantidade suficiente de amostras para o primeiro balanço. Mas é claro que as pessoas podem continuar mandando as amostras depois. A previsão de término dos trabalhos é dezembro de 2014”, conta o coordenador do projeto.
O professor destaca que mesmo que a Biblioteca funcione a partir de doações, as amostras continuam sendo propriedade dos doadores e que ninguém, além dos coordenadores da Esalq e dos próprios doadores, terão acesso a ela e aos dados. As análises estarão disponíveis para o público mediante autorização dos doadores proprietários. “Essa forma de organização da Biblioteca vai fazer com que as pessoas se comuniquem, e a comunidade científica se fortaleça, pelo menos neste primeiro passo”, acredita Demattê.
Na página da Biblioteca Espectral de Solos do Brasil é possível obter as orientações para quem deseja contribuir com amostras.
Mais informações: email jamdemat@usp.br, com o professor José Alexandre Demattê