Roberto C. G. Castro / Jornal da USP
Aos 92 anos, o Professor Emérito do Instituto de Biociências (IB) da USP e um dos maiores ambientalistas do Brasil, Paulo Nogueira Neto, tem uma longa trajetória em favor da preservação do ambiente no Brasil. De 1973 a 1985, exerceu o cargo de secretário especial do Meio Ambiente do governo federal – hoje equivalente ao de ministro. Nessa função, foi responsável pela criação de 18 estações ecológicas, que totalizam 3,2 milhões de hectares, ainda hoje preservadas. Às inúmeras honrarias que conquistou, soma-se o Prêmio Internacional de Mérito em Conservação da Rede WWF (World Wildlife Fund), que recebeu em maio passado. Em sua casa, no bairro do Morumbi, em São Paulo, Nogueira Neto falou sobre essa trajetória ao Jornal da USP.
Jornal da USP – Como o senhor vê o recebimento do prêmio da WWF?
Paulo Nogueira Neto – O WWF já tinha me dado um prêmio em 1997, que eu recebi em Londres, das mãos do duque de Edimburgo, presidente de honra da entidade. Naquela ocasião, lembro que escrevi algumas páginas em inglês para ler na hora de receber o prêmio. Antes houve um jantar. Na mesa, não tinha onde colocar o meu discurso. Então coloquei as folhas no chão. Mas acabei chutando o meu discurso. Eu e uma senhora inglesa, que estava sentada ao meu lado, nos abaixávamos para tentar recolher as folhas. O duque, que também estava na mesa, olhava e dava risada.
JUSP – Mas depois o senhor fez o discurso?
Nogueira Neto – Na hora de entregar o prêmio, uma pessoa fez uma breve apresentação do meu trabalho. Disse que eu tinha sido o responsável pelo meio ambiente do Brasil durante o regime militar. Eu fiquei louco da vida, porque sempre fiz questão de exercer a minha função isento de política. Era uma função puramente técnica. Isso me permitia ter contato com o governo e com a oposição. Eu era amigo do Franco Montoro. Quando ouvi aquela pessoa falar isso, fiquei irritado e acabei fazendo um discurso de improviso, dizendo que, no Brasil, o meio ambiente era cuidado fora da questão política.
JUSP – Como o senhor foi para a Secretaria Federal do Meio Ambiente?
Nogueira Neto – Em junho de 1972, houve a primeira grande conferência da ONU sobre meio ambiente, em Estocolmo, na Suécia. Estavam representados 16 países. O secretário da delegação brasileira era Henrique Brandão Cavalcanti, que depois se tornaria ministro do Meio Ambiente do governo Itamar Franco. Após a conferência, ele me chamou em Brasília para saber minha opinião sobre uma entidade que ele estava planejando criar. Eu fiz uma crítica severa à ideia. Disse que não era possível uma entidade que não poderia aplicar multas, pois não teria força nenhuma. Quando terminei de falar, ele disse: “Mas você aceitaria ser o primeiro secretário federal do Meio Ambiente?”. Foi assim.
JUSP – E como foi o início desse trabalho?
Nogueira Neto – Para cuidar de todo o meio ambiente federal, deram-me seis funcionários e um general aposentado, que tinha sido governador do Amapá. Ou seja, começamos do nada, praticamente do zero.
JUSP – Como era o movimento em favor do meio ambiente nessa época?
Nogueira Neto – Na época, meio ambiente era uma coisa inteiramente nova. Eu brincava dizendo que, aqui em São Paulo, todos nós que estávamos envolvidos com a questão ambiental cabíamos em uma Kombi. Era um grupo muito reduzido. No Rio de Janeiro havia umas duas Kombis, em Minas Gerais, duas Kombis. No Rio Grande do Sul tinha mais gente, umas três Kombis, talvez. Mais meia Kombi em Pernambuco. Era esse o pessoal do meio ambiente no Brasil naquela época.
JUSP – Quais foram as primeiras atividades?
Nogueira Neto – Nós sabíamos quais eram os problemas das grandes cidades brasileiras. Em São Paulo, por exemplo, a poluição era brutal. A gasolina era da pior qualidade. Quase toda grande cidade brasileira tinha problemas sérios de poluição.
JUSP – O que vocês faziam contra essa situação?
Nogueira Neto – Nós mostrávamos para a população a gravidade da situação e buscávamos orientar os governos sobre o que era preciso fazer para resolver o problema. Outra coisa que eu fazia era visitar os governadores e sugerir para eles a criação de entidades de meio ambiente em seus Estados, a fim de fazermos um trabalho conjunto.
JUSP – Qual o resultado desse trabalho?
Nogueira Neto – O resultado desse trabalho é o que existe hoje no Brasil. A situação do ambiente melhorou bastante, embora ainda não esteja 100%.
JUSP – Além de combater a poluição nas cidades, o senhor também criou reservas ecológicas.
Nogueira Neto – Sim. Eu viajava muito para escolher ecossistemas que deveriam ser transformados em áreas federais, visando à preservação. No total, criamos 18 estações ecológicas, que somam uma área total de 3,2 milhões de hectares, ainda hoje preservados.
JUSP – Qual era o critério para a escolha das estações ecológicas?
Nogueira Neto – Naquela época, eu já era professor da USP e tinha experiência em classificar os ecossistemas terrestres. Onde eu achava que havia um ecossistema interessante, pegava o avião e ia lá conhecê-lo. Às vezes saía sem rumo, para ver se achava alguma coisa.
JUSP – Achou alguma área importante nessas viagens sem rumo?
Nogueira Neto – Sim. Numa delas encontrei talvez a maior floresta de palmeiras do mundo, perto da fronteira com o Peru. Eu sobrevoava a região e, de repente, vi uma floresta imensa, entre 10 mil e 15 mil hectares. Pura floresta de buritis, uma palmeira que cresce em brejos. Aproveitei para anexar os ecossistemas vizinhos e fiz uma estação ecológica de 300 mil hectares.
JUSP – Pode citar a criação de outras estações?
Nogueira Neto – Encontrei Anavilhanas por acaso. Fui consultar o Projeto Radam (programa do governo federal criado em 1970 com o objetivo de rastrear a Amazônia com imagens aéreas de radar) para ver se havia imagens dessa floresta de buritis. Eles não tinham nenhuma imagem dela. Mas, ao ver as fotos, percebi, perto de Manaus, um grande arquipélago, ilhas fluviais com cerca de cem quilômetros de extensão. Sobrevoei a área e vi que era uma coisa maravilhosa. E tem uma característica imbatível em termos de turismo: não tem mosquitos, porque a água é tóxica para eles.
JUSP – E em outras regiões do Brasil, quais estações o senhor criou?
Nogueira Neto – No Rio Grande do Sul, criamos duas estações ecológicas importantes. Uma delas é uma reserva de araucária. Outra, chamada Taim, na fronteira com o Uruguai, é um brejo, muito importante ecologicamente por causa das aves que vêm da Patagônia e passam o inverno ali.
JUSP – O senhor gostaria de citar outra estação ecológica?
Nogueira Neto – Um dia, eu estava em casa, peguei O Estado de S. Paulo e li uma notícia que dizia que o governo federal ia vender as fazendas no Piauí que, até o século 18, pertenceram aos jesuítas. Eu não tive dúvida. No dia seguinte peguei o avião e fui para Teresina pedir 100 mil hectares para o governador. Ou seja, eu criei essa estação ecológica não depois de grandes estudos científicos, mas depois de ler o Estadão.
JUSP – Existe algum fundamento teológico nesse seu trabalho em favor do meio ambiente?
Nogueira Neto – Sim, existe uma profunda influência religiosa. Sou católico. Mas eu guardo isso para mim. Não faço propaganda religiosa quando estou lidando com o meio ambiente. O setor público tem que tratar a todos de forma absolutamente igual.
JUSP – Gostaria de acrescentar algo à nossa conversa?
Nogueira Neto – Os políticos hoje enfatizam duas coisas: educação e saúde. São realmente fundamentais. Mas acho que, para isso funcionar bem, é preciso acrescentar o meio ambiente, que é onde as pessoas vivem. Cuidar da saúde e da educação passa pela defesa do meio ambiente. E tudo isso obedece ao mandamento de amar o próximo.