Pesquisa da EACH revela que expressão corporal não interfere na voz do cantor de ópera

Contrariando o senso comum, pular ou se abaixar não prejudica o canto, desde que haja preparação corporal.

Valéria Dias / Agência USP de Notícias

O uso da expressão corporal por cantores de ópera não interfere na capacidade vocal desses artistas. De acordo com uma pesquisa realizada pela professora Marília Velardi, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, se o cantor tiver feito um bom trabalho de preparação corporal, poderá realizar diversos movimentos enquanto canta, como pular ou abaixar, sem nenhum prejuízo para sua voz.

“Tradicionalmente aspectos como cenários e figurinos são preponderantes na encenação e a voz cantada é aquilo que marca a ópera. Portanto, nas montagens tradicionais, vemos cenários e figurinos grandiosos que, muitas vezes, limitam a ação cênica e isso parece estar de acordo com o fato de que o mais importante é a performance vocal, a técnica vocal dos cantores”, aponta a pesquisadora.

Segundo Marília, isso ocorre porque existe um problema conceitual no mundo artístico: em qual tipo de teatro a ópera pode ser enquadrada? “Sabe-se que o corpo do ator e as ações físicas, especialmente nos teatros moderno e contemporâneo, são pontos centrais para a encenação”, diz. Para ela, no caso da ópera, tolera-se um cantor com performance precisa que seja mau ator, mas não o oposto. “Na pesquisa, a questão dos cenários e figurinos aparecem para demonstrar que quanto mais excessivos, mais impedirão as ações físicas e aí fica mais evidente que os cantores terão menor liberdade de ação. O resultado é que há uma grande qualidade vocal, com bons cantores, mas o aspecto da interpretação é relegado a um plano secundário. “Percebemos que há uma certa tolerância do público com o fato de os cantores não serem bons atores. No exterior, isso já não é mais aceito”.

Na opinião da professora, esse aspecto talvez seja um dos responsáveis por um problema vivenciado atualmente nos espetáculos de ópera: a perda de público. “O problema não é o repertório, mas o modo como as montagens são feitas, sem que haja uma preocupação com a encenação das peças. Isso ocorre principalmente no Brasil”, destaca.

Marília trabalhou com o Núcleo Universitário de Ópera (NUO) grupo formado por estudantes de canto lírico de diversas universidades, inclusive da USP. O grupo utiliza uma preparação cênica centrada na preparação do corpo do ator como recurso para a encenação da ópera.

Ao serem entrevistados pela pesquisadora sobre o tema, os integrantes da companhia mencionaram uma falha em sua formação, pois as escolas somente consideram a parte vocal, esquecendo-se da necessidade de se tratar também dos aspectos ligados à encenação e à expressão corporal. Outra questão apontada foi o problema conceitual do que é ópera, pois este conceito interfere no modo como as montagens são feitas. Como ela costuma ser considerada pelo seu aspecto tradicional, somente são levados em conta o cenário e canto.

Richard Wagner

Marília comenta que este conceito tradicional de ópera, ligado ao teatro declamatório, já foi superado há muito tempo a partir das ideias do maestro, compositor, diretor de teatro e ensaísta alemão Richard Wagner (1813 – 1883).

“Na proposta de Wagner, as grandes performances vocais, as árias,  do modo tradicional, dão lugar aos textos recitativos. Surge, com este compositor, um modo particular de utilizar o leitmotiv, que é o motivo musical específico para uma personagem e que poderá ser mais agressivo ou mais doce, dependendo daquilo que se quer passar em relação ao personagem”, explica a professora.

Segundo Marília, a utilização do leitmotiv (motivo condutor) é justamente para fazer com que os recitativos sejam um constante entrelaçamento de temas que simbolizam personagens, sentimentos, objetos. “Wagner concluiu que a forma da ópera poderia ser a chave para uma exploração dramática mais intensa. Desse modo, ele estende o tempo cênico de tal maneira que possibilita ao ator explorar ainda mais a ação corporal”, esclarece, lembrando que o conceito wagneriano de ópera revolucionou o teatro moderno. “Portanto, é de estranhar que as óperas encenadas na atualidade ainda persistam no modo tradicional de encenação”, completa.

Além das entrevistas, Marília também analisou vídeos com a performance dos alunos do Núcleo Universitário de Ópera e de encenações de óperas de grandes nomes europeus. “Havia cenas incríveis, com os cantores deitados no chão ou em posição fetal, e com uma emissão vocal perfeita”, diz. Esse material videográfico foi encaminhado para análise de professores de canto lírico. Eles constataram que mesmos nas situações corporais limite não havia nenhum prejuízo para o canto.

A pesquisa “O corpo na Ópera” foi realizada entre 2011 e 2012 com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O Núcleo Universitário de Ópera (NUO) existe desde 2004 e reúne cerca de 30 alunos de canto lírico da USP, Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Universidade de Campinas (Unicamp), além de cerca de 30 instrumentistas.

Mais informações: email marilia.velardi@usp.br

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