Prouni não garante mudança estrutural no ensino, afirma pesquisador da FFLCH

Para sociólogo, atual modelo de ensino superior é baseado na hegemonia do setor privado com fins lucrativos e em um setor universitário público restrito à massa de estudantes.

Igor Truz / Agência USP de Notícias

Criado em 2005, o Programa Universidade para Todos (Prouni) não teve como única motivação promover o acesso de jovens ao ensino superior, mas também, e principalmente, prestar auxílio econômico para instituições de ensino superior privadas com fins lucrativos, setor que passava por grave crise financeira na época.

É o que defende a pesquisa de doutorado do sociólogo Wilson Mesquita de Almeida, Ampliação do acesso ao ensino superior privado lucrativo brasileiro: um estudo sociológico com bolsistas do Prouni na cidade de São Paulo, desenvolvido no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Desde sua implantação, o Prouni cede bolsas a alunos aprovados no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), com renda per capita de até três salários mínimos, para que estudem em instituições privadas de ensino superior. Mais de um milhão de estudantes já foram contemplados com bolsas, sendo 67% delas integrais.

Durante quatro anos o pesquisador estudou a trajetória de 50 bolsistas por meio de entrevistas e aplicação de questionários, além de verificar pesquisas e dados existentes sobre o programa. A pesquisa dividiu os estudantes em três grupos: bacharelandos, licenciandos e tecnólogos. Vale ressaltar que a grande massa dos bolsistas, mais de 70%, está nos dois últimos grupos.

O estudo mostra a diferença de perfil entre os alunos destes grupos. Enquanto os bolsistas dos cursos de bacharelado estão em universidades mais conceituadas e possuem melhor formação cultural, os alunos dos cursos de licenciatura e formação tecnológica são alunos de faculdades de menor qualidade, possuem formação escolar muito inferior e são, em geral, de classes sociais mais desfavorecidas. “O Prouni funciona como acelerador do ingresso no nível superior para alunos de bacharelado que estão em instituições privadas mais tradicionais, e como único e exclusivo acesso para alunos das classes mais baixas que povoam os cursos tecnológicos e de licenciatura”, afirma Almeida.

O estudo demonstra que conceitos como democratização do acesso e mobilidade social devem ser relativizados e separados. “De fato o acesso foi ampliado, mas o mais importante é nos perguntarmos qual é a qualidade do ensino ofertado”, argumenta Almeida.

De fato o acesso foi ampliado, mas o mais importante é nos perguntarmos qual é a qualidade do ensino ofertado.

A necessidade de lucro leva a grande maioria das faculdades particulares a reduzir gastos com infraestrutura e pessoal, o que reflete diretamente na sua qualidade. “No fundo, as instituições de ensino superior privadas lucrativas são verdadeiras fábricas de diplomas”, afirma o sociólogo. A formação dos alunos é, portanto, precária, e a relevância no mercado profissional do título acadêmico de uma universidade de qualidade questionável é minimizada, tornando o plano de ascensão social um sonho mais distante para estes estudantes.

História

O pesquisador analisou a história das universidades privadas desde a Reforma Universitária de 1968, que possibilitou, com o incentivo de total isenção de impostos e outros mecanismos de financiamento, oferecidos pelo governo militar, o estabelecimento do modelo de ensino superior voltado prioritariamente ao lucro. “A figura do dono de universidade, embora exista, é pouco expressiva em outros países, mesmo nos Estados Unidos. No Brasil, é tido como normal, natural. As instituições de ensino superior privado lucrativas, praticamente, só existem no nosso país”, afirma Almeida.

A Constituição Brasileira de 1988 tentou regular esta situação, e instituiu a lei que condicionava a isenção de impostos àquelas universidades particulares que investissem o lucro obtido em sua própria infraestrutura, a fim de garantir a qualidade do ensino ofertado. Entretanto, a nova lei foi pouco efetiva por conta de uma série de subterfúgios, onde as faculdades particulares simulavam falsos investimentos.

Esta situação perdurou durante a década de 1990, e se agravou no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, quando houve um grande incentivo para a explosão de vagas nas universidades privadas. A expansão provocou outro problema para estas instituições: o alto número de inadimplência e evasão dos alunos levou as empresas de ensino superior privado a chegar a uma situação financeira crítica no início dos anos 2000.

Neste contexto, no governo Lula, e com o então ministro da Educação Fernando Haddad, nasceu o Prouni. Com a intenção primeira de salvar estas empresas, e não promover a inclusão. “Antes de tudo, o Prouni foi um programa que garantiu a continuidade e fortaleceu o estabelecimento do ensino superior privado lucrativo brasileiro, que chegou às portas da falência”, diz Almeida.

“É inegável que o programa promoveu avanços, e o diploma pode fazer com que trabalhadores de baixa renda passem a ganhar um pouco mais, entretanto, isso não significa nenhuma mudança estrutural. O investimento em educação básica de qualidade e no modelo de ensino superior público ampliado e diversificado, poderia ser um melhor caminho do que o modelo atual da graduação, baseado na hegemonia do setor privado com fins lucrativos e um setor universitário público restrito e ainda pouco permeável à massa de estudantes brasileiros”, conclui o sociólogo.

Scroll to top