FMVZ busca tratamento para a raiva, doença que ainda mata pessoas

Segundo a OMS, todo ano morrem mais de 55 mil pessoas acometidas pela raiva no mundo. Apesar disso, ela é uma doença negligenciada pela indústria farmacêutica.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, todo ano morrem mais de 55 mil pessoas acometidas pela raiva no mundo. Apesar disso, ela é uma doença negligenciada pela indústria farmacêutica: a prevenção dá resultado, mas o tratamento ainda não existe, e é pouco pesquisado. Essa foi a motivação para a pesquisa em antivirais do professor Paulo Eduardo Brandão, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP.

“Assim como a leishmaniose e a tuberculose, as doenças negligenciadas não recebem uma atenção governamental, da iniciativa privada e do público tão grande quanto outras doenças, como gripe suína e aids, que atraem um interesse imenso, mas já têm tratamento”, afirma o pesquisador, lembrando que, uma vez que se desenvolvem os sintomas, a raiva é quase 100% fatal.

Junto com Ekaterina Alexandrovna Ono, doutoranda da FMVZ, e Juliana Galera Castilho, pesquisadora do Instituto Pasteur – especializado na área, e com o qual a FMVZ tem estreita colaboração – Brandão busca desenvolver os antivirais por meio de três vertentes, detalhadas a seguir.

Cortando o fio

Uma das técnicas usadas é a interferência por RNA, tecnologia que já se mostrou efetiva no tratamento de seres humanos portadores de doenças como hepatites e foi ganhadora do prêmio Nobel em Medicina de 2006. Consiste em barrar, dentro da célula, a mensagem – carregada no RNA mensageiro – que irá produzir as proteínas do vírus, impedindo assim o desenvolvimento da doença. “Fazemos entrar na célula um pequeno pedaço de RNA que vai funcionar mais ou menos como uma sonda, que busca esse RNA mensageiro do vírus. No momento este pedaço se liga ao RNA mensageiro, a mensagem é degradada, e a tradução da proteína impedida”, explica o pesquisador.

Não há interferência nas atividades normais da célula, e a infecção é combatida antes de se manifestar. Nos testes in vitro, a técnica funcionou muito bem, diminuindo de maneira considerável replicação viral. Já foram feitos testes em animais, nos quais o resultado também foi muito promissor, observando-se a redução da letalidade da doença.

Conheça, no vídeo abaixo, o trabalho de  Paulo Brandão e sua equipe:

Esconderijo perfeito

No sistema nervoso central, não chegam anticorpos normalmente como a outros locais do corpo. Assim, o melhor jeito de um invasor não ser encontrado é se escondendo no cérebro – exatamente como faz o vírus da raiva.

Uma solução desenvolvida nos laboratórios do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da FMVZ consiste em atrair a resposta imunológica do próprio organismo para o esconderijo, o sistema nervoso central. A equipe então produz no organismo de algum animal uma enorme quantidade de anticorpos específicos contra o vírus da raiva, recolhe o soro e adiciona uma substância “transportadora”. O professor Brandão brinca:

“É uma espécie de cavalo-de-tróia, dentro do qual colocamos os anticorpos, fazendo-o atravessar a membrana celular. Lá dentro, os anticorpos se liberam e, se houver vírus da raiva, o neutralizarão diretamente”.

Nos cultivos em célula, os pesquisadores conseguiram demonstrar o funcionamento da técnica.

Dedo-duro

O vírus da raiva, além de se reproduzir em um lugar protegido, é difícil de ser detectado.

“Ele é completamente ‘ninja’; fica ali causando a doença, mas não gera qualquer estímulo [imunológico]”.

A ideia então é estimular a resposta imune, de uma forma geral, na região cerebral, colocando pedaços grandes de moléculas estranhas – porém inofensivas – à célula, afim de atrair os anticorpos, que notariam a anormalidade e causariam a inflamação também no vírus.

Este terceiro método utilizado na pesquisa é, segundo o docente, inteiramente experimental, não estando tão desenvolvido quanto os outros dois.

Paulo Eduardo Brandão acredita que sempre será necessário mais de uma via para tratar a raiva. O único tratamento que se mostrou efetivo até hoje é extremamente agressivo, e o paciente tem de sobreviver não só à doença, como também à terapia.

O que mantém os casos de raiva em baixa ocorrência, atualmente, é o tratamento preventivo, através de vacinação de animais, campanhas de conscientização, controle da população de cães – que, segundo a OMS, são em 99% dos casos o transmissor do vírus – e o tratamento imediato em caso de acidente.

O Instituto Pasteur lista, em seu site os procedimentos a serem tomados após uma agressão. Essas medidas são muito eficazes, mas ainda há gente morrendo por causa da raiva. O jornal Diário do Nordeste divulgou o primeiro caso confirmado da doença no Brasil este ano: um garoto de nove anos no Ceará. É para a sobrevivência de tais pessoas que esse tipo de pesquisa se volta.

 

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