Um sonho de gerações realizado

Ricardo Lagreca Siqueira, mestre pela Faculdade de Direito (FD) da USP

 

O protagonista dessa história é meu avô, Albino Siqueira, nascido em São Manuel, interior de São Paulo, em 1910. De família humilde, ele veio para a capital paulista tentar uma vida melhor. Depois de trabalhar por muitas décadas em indústrias e, de um dia para a noite, perder seu emprego (naquela época, não havia direitos trabalhistas praticamente), ele precisou buscar rapidamente um ofício para sobreviver.

Dono de um talento nato para a costura, acabou se especializando em fabricar becas completas sob medida para juristas, juízes, promotores e advogados. Com o passar dos anos, conquistou uma clientela principalmente baseada na Faculdade de Direito do Largo São Francisco – USP, formada por professores e profissionais do direito que ali frequentavam. Guardo com carinho até hoje um caderno onde meu avô anotava as medidas corporais dos clientes da época, inclusive o ilustre Ulisses Guimarães. Fico também pensando quantos discursos, debates e decisões importantes para a história foram magnificamente proferidos por aqueles que vestiam as finíssimas becas artesanalmente produzidas por meu avô.

Desde criança escutei relatos do meu avô Albino sobre o quanto ele admirava o ambiente daquela faculdade centenária. Ele nutria um fascínio pelo Direito, possuía livros e era capaz de conversar sobre diversos temas jurídicos sem dificuldade. Meu pai, Roberto Siqueira, acabou se formando em economia e em direito também, o que deu muita alegria a meu avô, por ser o primeiro da família a obter o nível superior, mas ainda faltava o gostinho de ter algum descendente frequentando a velha academia.

Quando eu estava me preparando para o vestibular e demonstrei meu interesse pelo direito, meu avô me confessou que seria um sonho ver seu neto estudar no glorioso Largo São Francisco. Confesso que isso acabou sendo um incentivo extra para meus estudos para o concorrido vestibular. Felizmente, em 1988 eu fui aprovado na Fuvest e em janeiro de 1989 iniciei meu curso de Direito no Largo São Francisco.

A notícia da minha aprovação já foi uma alegria imensa para meu avô, que chegou a me dizer que infelizmente achava que não iria estar vivo para assistir minha formatura.

Por uma concessão do destino, felizmente em 15 de dezembro de 1993, meu avô pode estar presente à cerimônia de minha colação de grau. Confesso que seus olhos brilhavam e ele finalmente poderia dizer orgulhoso que seu neto seria um advogado formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da internacionalmente conceituada Universidade de São Paulo.

Em 4 de janeiro de 1994, cerca de 20 dias depois, ele veio a falecer, mas eu tenho certeza de que ele se foi feliz e realizado.

Mais uma vez, como que para uma consolidação do sonho de meu querido avô, em 2023 a minha Turma 162 (graduada em 1993) arrecadou fundos para a recuperação de uma das salas da histórica faculdade, a sala em homenagem ao jurista Cesarino Júnior, coincidentemente um dos pilares do direito trabalhista no Brasil e eu tive a honra de participar do movimento, com a afixação de uma placa contendo os nomes dos doadores .

Além da alegria de poder ajudar a manter essa faculdade e Universidade que tanto me deram gratuitamente em conhecimento e experiência (lá concluí também meu mestrado em Direito Internacional em 2002) e de poder estar ao lado de meus queridos colegas que também contribuíram, fico com uma sensação de dever cumprido ao pensar que o sobrenome de meu avô, o seu Siqueira, vai ficar para sempre afixado no edifício que tanto fez parte de sua vida e de seus sonhos.

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