O registro audiovisual pode ser um grande aliado de pesquisadores em diferentes áreas do conhecimento, como mostra estudo realizado no Núcleo de Apoio à Pesquisa Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura (NAP-OBCOM), da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. O autor do estudo, o pesquisador e professor universitário Cesar Bargo Perez, sugere dois caminhos para o uso de vídeos na pesquisa científica: a abordagem confessional na entrevista sem entrevistador (Video Box) e o uso da entrevista em método conversacional.
O Video Box foi iniciado em 2011 e consiste em um espaço confessional onde o entrevistado expressa sua opinião sobre um tema específico. Em versão digital, “isso pode ser feito por meio de depoimento via smartphone. A prioridade é o conteúdo; som e outros aspectos técnicos, ainda que inferiores em qualidade, não comprometem o resultado”, explica Perez.
Outro caminho parte da releitura de abordagens clássicas de registro em entrevistas que convergem para a “conversa” entre as partes e constituem um método possível. “Ao longo da conversa, a confiança do entrevistado faz com que ele ‘abra o coração’”, diz, citando o documentarista Eduardo Coutinho, “que utilizava a abordagem conversacional na coleta de depoimentos”.
“Esses recursos amenizam a mudança de comportamento das pessoas quando confrontadas com a câmera (efeito câmera). O ideal seria o entrevistado ter controle da entrevista – uma solução para esse efeito”, aponta. Os recursos também são úteis em termos de ficcionalidade e retificação da narrativa – quando a pessoa sofre influência de emoção vivenciada no momento, ou se relê a cada discurso.
Censura e registro audiovisual
A pesquisa teve início no então Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Censura (NPCC), da ECA. A ideia era criar um mapa audiovisual da censura a partir de videoentrevistas.
Posteriormente, surgiria a Video Box, experimentação conduzida durante a Confederação Ibero-Americana das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação, em 2011. Doze questões envolvendo censura eram apresentadas a pessoas que, em um espaço isolado e diante de uma câmera camuflada, expunham suas opiniões. “Percebemos que o entrevistado ficcionalizava a narrativa ou, ao se ver sozinho, revelava postura diferente. Outra questão evidenciada foi o efeito câmera”, conta.
Videoentrevistas foram também realizadas na Universidade Católica de Santos, onde o professor leciona nos cursos de Jornalismo e Arquitetura. Em 2012, outra Video Box foi instalada em Fortaleza, no Ceará, durante o Intercom (encontro da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação).
Perez conta que cada etapa do projeto trazia avanços tecnológicos na aplicação, soluções no posicionamento de câmeras, luz, escolhas de enquadramentos, etc. Foram vários testes para aprimorar a realidade captada dentro de um estilo adequado ao conteúdo apresentado. Outro ponto destacado é que, desde o início, Perez considerou a web como convergência para divulgação e interação com pesquisadores e interessados afins. “De fato, o material captado teve sua transcrição realizada pelo NPCC com a ideia de trabalhar a hipertextualidade do material dentro do ambiente da web”, diz.
A evolução do processo continuou após 2012, na Universidade Católica de Santos, onde Perez produz o Programa Urbanidades, que o ajuda a aprimorar a abordagem conversacional em temas ligados à vida urbana. Junte-se a isso a experiência com o cinema em três filmes que misturam ficção e documentário (Vida com Parkinson, Entre o Corpo e a Alma e Alma de Heróis), bem como o projeto ECA 50 Anos, onde entrevistou professores e ex-funcionários da história da ECA. Ali, pôde colocar em prática o conhecimento obtido ao longo das experimentações prévias.
Foi a partir do histórico audiovisual com filmes e experimentações que Perez chega as duas propostas de tratamento da ficcionalidade e retificação inerente do discurso gravado, e do efeito câmera: o caminho da confessionalidade ou o da conversa, conduzida e reveladora da verdade de cada pessoa. “Assim como Coutinho, uma conclusão é a de que o que importa é a verdade do discurso no momento de registro. O factual histórico pode ser obtido em outras instâncias”, diz.
Aplicativo
Atualmente Perez trabalha em aplicativo para PC que permitiria pesquisas de opinião com o registro audiovisual, segundo os critérios da Video Box em um espectro inimaginável de escala. “Uma pesquisa poderia atingir milhares de pessoas, com a passagem do controle para o entrevistado – o desafio final para efeito câmera. Não há nada similar no mercado”, destaca.
A tese de doutorado Documentário e Ficção: O registro audiovisual como recurso na pesquisa científica da atualidade em Ciências da Comunicação foi defendida em março de 2015 sob orientação da professora Maria Cristina Castilho Costa.
Agência USP de Notícias/ Valéria Dias
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