A USP sozinha não cria outsiders

Estela Marques, mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP

 

Advinda dos bancos das escolas públicas, a FAU [Faculdade de Arquitetura e Urbanismo] me deu condições de pleno desenvolvimento da carreira. Passei na Fuvest na terceira tentativa, em 1985, praticamente após decorar as apostilas do cursinho, não havia Enem ou política de cotas. Éramos, talvez, cerca de 10% dos 150 alunos ingressantes.

Logo no primeiro ano de faculdade, a leitura preconceituosa de um colega sobre um trabalho de paisagismo me levou a um convite para uma bolsa de iniciação científica do CNPq, depois renovada. Retratou-se a moradia em planta, onde o lote de esquina em que nasci, demonstrou três casas com entradas distintas em um terreno de 220m² na Vila Sônia. A falta de sensibilidade levou um dos alunos a comentar que eu moraria em um cortiço. Nada que se assemelhasse ao descrito por Aluísio Azevedo. Foi o suficiente para a professora titular da cadeira me fazer o convite.
A USP, à época, representou um choque de oportunidades muito bem-vindas: amplos laboratórios, maquetarias, ateliers com amplas pranchetas – não se usavam softwares de desenho; os melhores professores, o potencial da pesquisa, uma completa biblioteca de Arquitetura, tanto a apreender. Afora o acesso ao esporte, às várias modalidades, através do Cepeusp – o frequentei em todos os semestres: do remo à natação, do ciclismo ao tênis, do vôlei à ginástica para coluna. Como não lembrar do dia de peixe no bandejão?

Anos depois, quando voltei do Rio de Janeiro para São Paulo e trabalhava no mercado imobiliário, fui questionada por um incorporador paulistano conhecido sobre a minha origem. Pressupunha a ligação com profissionais de renome, com uma família de profissionais da área. Foi exatamente esse o motivo da minha insistência em fazer USP, obter a chancela para abrir portas. Era politécnico e, ao insistir, comentei sobre a USP – seus ouvidos amaciaram a curiosidade; afinal, era eu uma arquiteta paulistana, mulher, diretora da filial de São Paulo, assessorando um dos maiores escritórios nacionais, de origem carioca, sobre grandes projetos de arquitetura e urbanismo.

Esse questionamento voltou à tona em outro momento, com gestores de um fundo imobiliário. A USP empodera “outsiders”.

No Rio de Janeiro não foi diferente. Os escritórios se surpreendiam como uma arquiteta recém-formada e casada tinha a coragem de bater de porta em porta, atrás de uma oportunidade no Brasil do Collor de Mello. Empunhava um portfólio embaixo do braço, formada na USP, com premiação em Cergy Pontoise em urbanismo, graças a um convênio com a universidade francesa descoberto no último ano de faculdade; com menção honrosa em um concurso público para o projeto do Paço Municipal de Osasco, publicado em revista da área.

Comecei cedo a fazer estágio e logo percebi o distanciamento entre a vida acadêmica e o mercado. Meu objetivo foi encerrar os cinco anos de curso e trabalhar como profissional na área. A decisão no meu caso, foi acertada.

Voltei à Universidade somente após trinta anos de formada, para o mestrado. Na verdade, para dar uma devolutiva à Universidade por tudo que foi investido em minha formação e por ter nitidamente uma dissertação desenhada na cabeça através da vivência empírica, da experiência obtida em anos de labuta no mercado privado; sobre o crescimento da metrópole e a mobilidade urbana. Importante quando nós, profissionais de mercado, retornamos para contribuir com o debate nos bancos da academia, com cases reais, e os confrontamos com o saber científico – o encaixe é natural. Novamente um ano árduo de preparação para o ingresso. A vida acadêmica é exigente, muito aprendizado.

Em paralelo, pela primeira vez me interessei por buscar uma vaga profissional na área pública, e assim também devolver através do conhecimento técnico, parte do investimento da sociedade em minha formação.

A USP sozinha não cria outsiders. Nós, com a ambição de fazermos a diferença, podemos sim aproveitar toda sua capacidade de fomento e inovação.

 

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