Tive o privilégio de frequentar a Universidade de São Paulo antes mesmo da minha primeira aprovação na Fuvest. Quando eu tinha 14 anos e nenhuma ambição de me tornar pesquisadora, uma professora de Matemática me sugeriu que eu procurasse saber sobre os cursos de verão oferecidos pelo Instituto de Matemática e Estatística da USP. Me inscrevi no único curso que havia disponível para uma aspirante sem preparo como eu, um curso intitulado Frações Contínuas e Aplicações, oferecido pelos professores Manuel e Sônia Garcia, do departamento de Matemática Aplicada. O curso era ministrado em 6 longas semanas, começando logo na primeira semana de janeiro.
A referência bibliográfica – única – era um livro já há muito tempo esgotado, publicado pela extinta editora soviética MIR Moscou. Para os alunos, fotocópias do livro, preparadas pela gráfica do instituto. Se houvesse exemplares do livro no acervo na biblioteca àquela época, não faria muita diferença: a biblioteca ainda era fechada ao público, que fazia empréstimos ao preencher uma ficha e então aguardava um bibliotecário ir buscar o livro lá dentro.
Um colega de curso, doutorando, assustava os colegas mais jovens, com sua barba e os cabelos longos, perambulando de chinelo com papéis embaixo do braço, falando sozinho. Ficamos amigos de curso, tínhamos aula quase todos os dias, até completar a carga horária de 60 horas-aula. Meu amigo morava no CRUSPE e andava de bicicleta, e eu precisava ir à USP de metrô e ônibus, sob muito sol ou muita chuva. Além das frações contínuas, das irracionalidades quadráticas e do teorema de Lagrange, conversávamos sobre futuras tecnologias de cura através de câmaras de ressonância – com ou sem água – e outras especulações que sabíamos estarem totalmente fora da nossa capacidade de análise séria, quanto mais de execução.
Por estar ciente dessas e de outras peculiaridades da vida no IME, eu me senti completamente à vontade quando me matriculei no curso de Matemática Aplicada, dois anos após aquele verão inesquecível.
Assim foram os meus primeiros dias na USP, primeiros dias de tantos anos e tantos espaços que vieram depois: Instituto de Matemática e Estatística, Instituto de Física, Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária, Escola Politécnica, Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares. E outros.
Para não me alongar, encerro meu relato com o que penso ter sido a minha maior contribuição para o instituto: os anos do EIAGIME. Eu me tornei voluntária, eu e outros 49 alunos, para darmos continuidade ao projeto então recém criado e executado pela primeira vez em 2008: o Encontro Internacional dos Alunos de Graduação do Instituto de Matemática e Estatística, EIAGIME. O evento durava uma semana, com palestras e minicursos cobrindo diversos tópicos de interesse da Matemática, Estatística e Computação. Para os minicursos, o foco era trazer pesquisadores internacionais para que o nosso público tivesse a experiência internacional sem que fosse necessário que cada aluno viajasse para o exterior.
Até hoje não entendo como fui indicada unanimemente pelos colegas para coordenar a iniciativa. Como se eu soubesse o que estava fazendo, coordenei, e digo isso abusando da palavra. Mas como o projeto era bom mesmo, o 2º EIAGIME foi um sucesso. Em 2010 veio o 3º EIAGIME, com audiência e verba dobradas. Tivemos a honra de receber o excepcional matemático, premiado e gentilíssimo, Fernando Codá Marques, professor na Universidade de Princeton desde 2014.
Conheci muitas pessoas e aprendi muito durante aqueles anos. Fiz tudo que estava ao meu alcance para que o evento fosse gratuito e aberto a todos os alunos da universidade, e para o público externo também. Guardo com carinho os agradecimentos e o reconhecimento que recebi, e também sou muito grata aos colegas que se voluntariaram e tornaram o EIAGIME possível. Agradeço acima de tudo o suporte e o incentivo contínuos recebidos dos queridos professores Daciberg Gonçalves, Deborah Raphael, e Marco Gubitoso, o Gubi (In Memoriam).
O término da minha graduação afetou a continuidade do projeto, que não passou da sua 4ª edição. Compartilho esse relato com votos de que os alunos do Instituto de Matemática e Estatística revivam a ideia do EIAGIME, ou que nele se inspirem. Que continuem criando ocasiões para oferecer à comunidade oportunidades de interagir com o IME e a USP, e aprender Matemática de qualidade
internacional, fazendo bom uso de recursos que são públicos, para o público. E quando o fizerem, por favor, não esqueçam de me convidar também.