Pesquisa realizada na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP testou o uso de nanoestruturas (micelas) para a administração do tamoxifeno, fármaco muito usado no tratamento do câncer de mama, mas que apresenta efeitos colaterais cuja severidade tem relação direta com a dose utilizada. Como as micelas podem vir a liberar baixas quantidades do fármaco no sangue antes de chegar à região tumoral, seria possível injetar doses menores e mais efetivas, o que reduziria os efeitos colaterais. O estudo da pesquisadora Marina Claro de Souza foi orientado pela professora Juliana Maldonado Marchetti, cujo grupo de pesquisa vem desenvolvendo diversos trabalhos envolvendo nanotecnologia farmacêutica aplicada ao tratamento do câncer.
Micelas são nanoestruturas formadas a partir de substâncias anfifílicas (que possuem uma região hidrofílica, que atrai água, e outra hidrofóbica, que repele a água, na mesma molécula) em meio aquoso. Essas estruturas têm uma alta capacidade de solubilizar fármacos insolúveis em água. “Quando um fármaco insolúvel, como o tamoxifeno, é adicionado a uma solução de micelas, ele migra para a região hidrofóbica no interior da micela, onde é solubilizado”, aponta Marina. “Assim, torna-se possível preparar uma solução aquosa de um composto insolúvel em água, permitindo, por exemplo, que o mesmo possa ser administrado na forma de injeção intravenosa”.
Marina relata que os tratamentos disponíveis não apenas para o câncer de mama, mas para tumores malignos em geral, apresentam uma série de efeitos colaterais bastante severos, prejudicando de maneira expressiva a sobrevida e a qualidade de vida do paciente. “Um das estratégias para a veiculação de medicamentos mais eficazes e com menos efeitos colaterais é a incorporação do fármaco em um sistema de liberação nanotecnológico, cujo desenvolvimento é muito mais rápido e menos oneroso do que o desenvolvimento de novos fármacos”, diz. “No caso do tamoxifeno, desenvolver formulações que permitam a administração de doses menores e mais efetivas é uma estratégia bastante promissora para minimizar este problema”.
Sistemas de liberação nanotecnológicos são formulações que possuem partículas com tamanho muito reduzido (até 100 nanômetros [nm]), onde podem ser incorporados os mais diversos fármacos a serem utilizados no tratamento de diferentes doenças. “No caso do tratamento de tumores sólidos, como o câncer de mama, este tamanho de partícula tão reduzido faz com que essas formulações tenham uma tendência a acumular-se nas regiões tumorais, as quais possuem permeabilidade maior do que os tecidos normais do organismo”, conta a pesquisadora. “Com isso, é possível fazer com que uma quantidade maior do fármaco chegue até o tumor, aumentando a eficácia do tratamento e ao mesmo tempo, uma quantidade menor do mesmo se distribua pelo restante do organismo, reduzindo os efeitos colaterais”.
Micelas
Existem vários tipos de sistemas de liberação nanotecnológicos, como por exemplo, as micelas, os quais vêm sendo desenvolvidos e utilizados para o tratamento dos mais diversos tipos de câncer. “Estes sistemas apresentam uma série de vantagens sobre as formulações convencionais, tais como a redução de efeitos colaterais, aumento do índice terapêutico, ou seja, do intervalo compreendido entre a dose terapêutica e a dose tóxica, maior facilidade de administração do medicamento e o consequente aumento na aderência dos pacientes ao tratamento”, destaca a pesquisadora.
Entre todas as formulações desenvolvidas, duas delas se mostraram mais promissoras e foram selecionadas para dar continuidade à pesquisa. “Estas duas formulações foram submetidas à avaliação do perfil de liberação do tamoxifeno in vitro e os resultados demonstraram a influência da composição das micelas sobre a liberação do fármaco”, afirma a pesquisadora. “Este estudo é muito importante, pois por meio dele podemos conhecer as características da formulação que influenciam na liberação do fármaco, de modo que possamos modulá-la para obter o perfil desejado”.
Os resultados indicaram que ambas as formulações foram capazes de sustentar a liberação do fármaco, tendo sido verificadas diferenças estatisticamente significativas entre a quantidade liberada entre uma formulação e outra em função da composição das micelas. “Ao final do estudo, verificou-se que a maior parte do fármaco permaneceu no interior das micelas ao invés de ter sido liberado para o meio externo”, observa Marina. “A baixa taxa de liberação in vitro sugere que a maior parte do fármaco mantenha-se no interior da estrutura micelar durante o período de permanência no sangue, favorecendo a chegada da nanoestrutura íntegra à região tumoral, onde deverá exercer sua ação”.
No estudo preliminar realizado em ratas Wistar saudáveis, não foi possível detectar o fármaco no sangue uma hora após a administração das formulações. “Isso sugere que os sistemas micelares tenham migrado rapidamente para os órgãos devido ao seu tamanho muito reduzido”, ressalta a pesquisadora. “Estudos futuros precisam ser realizados em animais portadores de tumores mamários para confirmar a migração da formulação para a região tumoral”. O estudo teve apoio financeiro da Fapesp.
Júlio Bernardes / Agência USP de Notícias
Mais informações: email marinacs@fcfrp.usp.br, com Marina Claro de Souza