O acervo do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo foi transferido para USP em 1963, dando origem ao Museu de Arte Contemporânea (MAC). Esta transição foi o objeto de estudo do professor e arquiteto Renato Maia, pós-doutorando na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.
Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Maia estudou não somente como se deu essa transferência, mas também os personagens os personagens que participaram do processo.
Em sua pesquisa de doutorado, defendida em 2005, Maia explorou os projetos de arquitetura feitos para o MAC até 2001. Estudou tudo o que foi pensado e planejado para o Museu dentro da Universidade, deparando-se com materiais inéditos. Durante seus estudos, o arquiteto detectou que houve uma disputa muito grande entre sócios do MAM e um outro grupo liderado por Ciccillo Matarazzo, então presidente do MAM e da Fundação Bienal. “Matarazzo dizia que não possuía mais condições de financiar o Museu — mesmo que ele não fosse o único a fazê-lo — e por isso acreditava que a melhor solução era entregá-lo à USP”, conta Maia.
Conflito de opiniões
A divergência foi encabeçada por Mario Pedrosa, à época diretor do MAM, e Sérgio Buarque de Holanda, quem recebeu o acervo do Museu na USP. Matarazzo convocou uma assembleia em janeiro de 1963, período o qual Maia acha bastante estratégico. “Particularmente, eu acredito que o mês de janeiro não tenha sido escolhido por acaso. Era época de férias e poucos puderam comparecer, o que deu mais espaço para que Matarazzo fizesse uma manobra e conseguisse uma decisão favorável ao seu ponto de vista”, revela.
Segundo Maia, enquanto Buarque apoiava a ideia da transferência do acervo para a Universidade, Pedrosa era veementemente contra. “Ele acreditava que o Museu se engessaria ficando nas mãos da USP, perdendo a capacidade de promover debates com a sociedade e os artistas, além de não poder mais ter seu programa de arte experimental”. O que, na realidade, não se confirmou: os artistas da época usufruíram muito do MAC, ainda mais durante a ditadura militar. “O Museu funcionou como um espaço de liberdade de expressão frente à censura na qual viviam”, completa.
Histórias convergentes
O embate de ideias entre Pedrosa e Buarque nesse episódio gerou grande interesse em Maia, que estendeu o tema para o seu pós-doutorado. Por meio de documentos escritos, principalmente cartas — tanto pessoais como as de trabalho — o pesquisador iniciou seu trabalho no final de 2012, traçando a relação entre os dois desde o início dos anos 1920 até os anos 1980. “As histórias de Pedrosa e Buarque se encontram em diversos momentos, por isso decidi investigar os encontros dos dois ao longo dos anos e sua relação com os movimentos artísticos e culturais, principalmente na promoção e criação de museus”, justifica.
Ambos críticos de produção artística, Mario Pedrosa e Sérgio Buarque de Holanda viveram a sua juventude durante a efervescência do Modernismo na segunda década do século 20. De acordo com Maia, a história dos dois está bastante ligada à amizade que tinham com Mario e Oswald de Andrade, figuras essenciais para o advento do Modernismo. “Não há registros de que, naquela época, Pedrosa e Buarque se relacionassem diretamente. Mas estavam ligados, de certa forma, pelas amizades que tinham e círculos que frequentavam. Eram jovens questionadores e bastante ativos durante o surgimento do movimento”.
Nos anos 1950, Buarque prestou concurso para tornar-se professor da USP e recebeu a cátedra da História da Civilização Brasileira. Sua atuação dentro da Universidade foi de extrema relevância: criou, em 1961, o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), um dos maiores acervos sobre história e cultura brasileira. Também fez parte do grupo que criou o Museu de Arte e Arqueologia e o Instituto de Pré-História — embriões do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) — além de ter incorporado o Museu Paulista (MP) e o MAC à Universidade. Pedrosa, além de diretor do MAM e do Museu da Solidariedade do Chile, participou da organização de algumas das primeiras Bienais de São Paulo.
Suas vidas continuaram se encontrando até os anos 1980, com a criação do Partido dos Trabalhadores (PT). Ambos participaram do desenvolvimento do partido, sendo alguns dos primeiros a assinar o documento que deu início à legenda. “Apesar de Mario Pedrosa ter uma história muito mais intensa e pró-ativa com o socialismo brasileiro e internacional, Buarque também possuía ideologias de esquerda”, revela Maia.
Cartas e documentos
Maia pesquisou nos acervos dos museus e institutos da USP, especialmente nos arquivos do IEB e do no Arquivo Geral da Universidade, este último essencial em seu estudo. “A USP possui um acervo bastante extenso em seu Arquivo Geral, com documentos fantásticos e inéditos. Muito do que utilizei em minha pesquisa foi encontrado aqui, mas poucos sabem da importância, sequer da existência, deste lugar”, ressalta.
Também procurou por documentos no acervo da Bienal e de outros museus de fora da Universidade. “Durante toda a vida, o episódio do MAM foi o único momento em que Pedrosa e Buarque entraram em conflito, o qual nunca foi direto. Existem cartas amigáveis de um para o outro, já que sempre tiveram posições políticas harmoniosas e vivências culturais bastante semelhantes”, conclui.
O primeiro relatório de pós-doutorado de Maia foi entregue em dezembro de 2014 e teve a supervisão do professor e vice-diretor da FAU, Ricardo Marques de Azevedo. Sua pesquisa está ligado ao Grupo de Pesquisa Preceptivas Artísticas, liderado por Azevedo.
Marília Fuller / Agência USP de Notícias
Mais informações: email renato.rea@gmail.com