Lara Deus / Agência USP de Notícias
As telenovelas retratam o trabalho do jornalista sem abordar a precarização do trabalho. Analisando três tramas da Rede Globo e comparando com depoimentos de profissionais da vida real, a historiadora Adaci Aparecida Oliveira Rosa da Silva chegou à conclusão de que a ficção mostra a carreira jornalística como algo árduo, mas não dá espaço para discussões acerca da instabilidade da profissão. As dificuldades enfrentadas diante das mudanças tecnológicas também não são apresentadas nas narrativas televisionadas.
Em sua pesquisa de mestrado na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Adaci comparou dados da pesquisa empírica (métodos quanti e qualitativos), feita com 598 jornalistas, com o discurso que circula na sociedade sobre seu trabalho, representado pela telenovela. A ética é um ponto forte em comum entre a realidade e a ficção. Nas obras analisadas — A Favorita, Paraíso e Insensato Coração —, muito se citou o comprometimento do profissional com a verdade.
É o caso de Zé Bob, interpretado por Carmo Dalla Vecchia em A Favorita. Nos capítulos, ele se depara com dilemas que o fazem perceber que, na posição de jornalista, não pode interferir na realidade que noticia. Alfredo Modesto (personagem de Genezio de Barros em Paraíso), no papel do mentor de dois jovens recém-formados em comunicação — Otávio (Guilherme Winter) e Ricardo (Guilherme Berenguer) —, também repassa esses valores. Adaci ressalta, porém, que na vida real “a velocidade do processo de trabalho está dificultando o exercício deste lastro que o jornalismo tem”. Além disso, ela conta que “o jornalista na telenovela carrega essa característica: ele não trabalha para viver, ser jornalista é a vida dele”.
Precarização do trabalho
Talvez por este traço, as telenovelas não retratam a carreira como algo economicamente rentável. Mesmo assim, nas narrativas não há o debate sobre a perspectiva de futuro “nebulosa” e as relações de trabalho flexibilizadas, características bem frisadas nas respostas à pesquisa. Hoje em dia, as redações estão reduzidas e há poucos jornalistas registrados pela CLT. Enquanto isso, crescem a terceirização, a contratação por Pessoa Jurídica (que tira do empregado benefícios e direitos trabalhistas) e o trabalho autônomo como freelancer. Devido a esta instabilidade, a carga de trabalho se torna grande pois “o jornalista tem que pegar muitos trabalhos para poder render, porque ele é o patrão, agora”.
A historiadora, orientada por Roseli Aparecida Figaro Paulino, constatou também que poucos jovens profissionais são sindicalizados. Fazendo uma projeção para o futuro, Adaci concluiu que não haverá mais jornalistas filiados às entidades de classe e “isto é uma perda”, lamenta ela. Causa e consequência disso é que “os jovens, hoje, não estão tendo espaço para questionar essa situação de trabalho intensificado e precarizado”, segundo a pesquisa da ECA.
Mudanças na tecnologia
O personagem Kléber Damasceno, de Insensato Coração, representado por Cássio Gabus Mendes tem uma trajetória que pode ser considerada um reflexo da passagem para os novos tempos. No início da trama, ele trabalha na redação de um grande jornal e escreve suas reportagens investigativas para o veículo. Quando é demitido, sente a necessidade de se reinventar, aí cria o blog “Impunidade Zero”, que é aceito pelo público e incorporado por um grande portal de internet. Adaci relata que a telenovela apresenta este processo com entusiasmo, enquanto os jornalistas da vida real estão sofrendo com ele. “O blog ‘Impunidade Zero’ repercutiu, ganhou força, mas quantos blogs de jornalistas temos aí que não têm a mesma força de expressão?”, completa.
Mais informações: email adaci.cruz@usp.br, com Adaci Rosa Silva