Ana Paula Souza / Agência USP de Notícias
Engana-se quem imagina que não há mais o que ser descoberto a respeito da obra de Machado de Assis. O pesquisador Djalma Espedito de Lima, em sua tese de doutorado Jogo de mestre: as formas do lúdico no romance de Machado de Assis, apresenta uma nova maneira de analisar a ficção machadiana, sob o prisma da ludicidade. O estudo revela que as narrativas do escritor são marcadas pela presença de jogos, os quais estão presentes não apenas no sentido de práticas como o xadrez, mas também no âmbito da construção de relações lúdicas que envolvem o autor, o texto e o próprio leitor.
O estudo foi elaborado ao longo de quatro anos na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, sob a orientação do professor Hélio de Seixas Guimarães. Na pesquisa, Lima enumera os principais jogos que são encontrados nos romances de Machado de Assis e mostra que eles participam das narrativas tanto como objetos cenográficos como de modo a representar as relações existentes entre os personagens. Nesse segundo tipo de ludicidade, estão os jogos de sedução, as charadas, a ironia, entre outros artifícios. Segundo o pesquisador, “o lúdico é fundamental, pois integra e define o modo de ser e de estar com os outros. Ou seja, define, de certo modo, a sociabilidade humana”.
Um autor de jogos sociais
No estudo, Lima conta que em Dom Casmurro, por exemplo, Machado de Assis cria um jogo entre o narrador e o leitor. O livro é narrado por Bento Santiago, o qual ganhou a alcunha de Dom Casmurro. No entanto, no momento da narrativa, não é Bento quem conta a história, mas sim o personagem Dom Casmurro que Bento tomou para si. No mesmo livro, no capítulo “O Penteado”, Bentinho, ao mexer nos cabelos de Capitu, brinca de cabeleireiro em um jogo de sedução que envolve não apenas olhares, mas também o toque das mãos do adolescente nos cabelos da menina, o que tem como resultado o beijo entre os dois protagonistas.
Outro caso que ilustra a presença dos jogos está no romance Esaú e Jacó, em que há o jogo de tarô. Nessa forma de jogo, estabelece-se o pressuposto de uma relação de confiança entre a pessoa que faz a leitura das cartas e quem a procura para saber a sorte. Ao inserir a prática do tarô na narrativa, Machado transfere a questão da confiabilidade para a relação com o leitor, uma vez que o leva a questionar se as afirmações feitas no romance realmente poderiam ser objeto de crença.
O jogo da investigação
Para produzir o estudo, Lima, além de realizar a leitura de todos os romances escritos por Machado de Assis, também investigou como eram jogados os diversos jogos que estão presentes na narrativa machadiana. Entre eles, está o jogo do bicho, nascido no Rio de Janeiro nos últimos anos do Período Imperial. Segundo o pesquisador, “entender os modos de jogar era importante na medida em que fazia entender o quadro das situações ficcionais nos romances”.
Segundo o pesquisador, “o jogo é um elemento fundamental para a leitura de muitos textos literários, principalmente no caso de grandes escritores”. Para Lima, a apreciação crítica e reflexiva do jogo pode fundamentar a construção de novos discursos, a fim de permitir o pensar a respeito da formação humana em geral, e da brasileira em particular.
Mais informações: email djalmaelima@r7.com