Denise Casatti / Assessoria de Comunicação do ICMC
Já não é preciso sair de casa para caminhar entre as principais obras do mestre barroco Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Uma pesquisa realizada no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, possibilitou a criação de um site que permite a visualização 3D das obras do famoso artista.
O projeto do ICMC ganha relevância este ano, em que se completa o bicentenário da morte de Aleijadinho. “Aliamos tecnologia e conectividade em prol da divulgação do patrimônio cultural brasileiro”, afirma o coordenador do projeto, José Fernando Rodrigues Jr, professor do ICMC. A iniciativa é apoiada pela Comissão de Cultura e Extensão do ICMC, pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP e pelo Museu de Ciências da Universidade.
Tudo começou em julho de 2013, quando os professores Rodrigues e Mário Gazziro, consultor do projeto, digitalizaram as obras de Aleijadinho nas cidades de Ouro Preto e Congonhas, ambas em Minas Gerais. As obras escolhidas para digitalização estão ao ar livre, sujeitas, portanto, a sofrerem um processo de deterioração.
O equipamento empregado nesse processo foi um escâner tridimensional de alta precisão, fornecido sem custos por meio de uma parceria com a empresa suíça Leica Geosystems, cuja sede, no Brasil, localiza-se na cidade de São Carlos. O equipamento possibilitou que as obras fossem digitalizadas a uma distância entre 10 e 30 metros, sem a necessidade de providenciar qualquer isolamento dos locais. “Embora a digitalização de obras usando tecnologia de escaneamento 3D tenha sido aperfeiçoada e usada com maior frequência na última década, trata-se ainda de algo novo, que demanda especialistas e procedimentos especiais para sua realização”, explica Rodrigues.
O professor relata ainda que a digitalização das obras é apenas o primeiro passo de um longo processo. Os dados iniciais fornecidos pelo escâner 3D possuem falhas como buracos, ausência de detalhes, cores incorretas, além de serem extremamente grandes – uma única estátua bruta chega a ter mais de 200 megabytes de dados. Superar esses problemas foi o grande desafio do projeto, especialmente porque o objetivo era ter as obras exibidas via internet (por meio de computadores e dispositivos móveis), onde há limitações relacionadas à taxa de transferência de dados e à usabilidade.
Os desafios
Em primeiro lugar, para reproduzir computacionalmente uma obra do mundo real em 3D, é preciso escanear o objeto a partir de diferentes ângulos (frente, lados, costas, por cima e por baixo). Cada tomada, a partir de cada ângulo, gera um arquivo. Esses arquivos precisam ser combinados para que se componha uma única informação tridimensional.
Depois da etapa da combinação, o resultado é um grande emaranhado de pontos, conhecido tecnicamente como nuvem ou malha de pontos, o qual ainda não possibilita a visualização de um objeto tridimensional. Isso só acontece depois que os dados passam pelo processo de triangulação. Como o próprio nome diz, esse processo baseia-se na obtenção de triângulos a partir dos pontos existentes na nuvem de pontos.
A próxima etapa de tratamento dos dados é a coloração, pois as malhas 3D, tal como foram digitalizadas no projeto, não têm cor, gerando objetos com aparência plástica, fiéis à obra original apenas na forma. Nessa fase, uma empresa especializada em coloração de imagens em 3D atuou voluntariamente no projeto, a Imprimate Impressões 3D. A partir de fotos coloridas de diferentes ângulos de cada uma das obras, os especialistas da empresa inseriram as informações de cor nas formas em 3D.
Mesmo após as obras serem colorizadas, existem outras tarefas a serem efetuadas: “Quanto maior o número de triângulos, melhor é a qualidade do objeto visualizado. No entanto, grandes quantidades de triângulos podem impedir essa visualização, pois demandam computadores muito potentes, com grande quantidade de memória”, afirma Gazziro.
De fato, uma grande quantidade de triângulos impossibilitaria que a informação pudesse, posteriormente, ser disponibilizada na web. Por isso, os pesquisadores realizaram uma outra etapa de preparação dos dados chamada decimação, utilizando um software livre, o MeshLab. “Fizemos um procedimento análogo ao realizado na música digital, que, para ser transformada no popular formato MP3 de tamanho reduzido, precisa passar por uma fase de descarte de sons, sem que isso cause prejuízo à qualidade da música”, compara Rodrigues.
Mas os desafios não terminam por aí. No caso da digitalização de imagens de grandes proporções, como as obras de Aleijadinho, e expostas em ambientes abertos, há regiões que não são alcançadas pelo equipamento de escaneamento, o que gera falta de informação, ou seja, um verdadeiro “buraco” na obra. O coordenador do projeto conta que essa etapa de correção de imperfeições é um processo totalmente manual, realizado por meio da inserção, em um software de modelagem 3D, dos dados que faltam. Para isso, foi empregado um software livre chamado Blender.
Com o tratamento dos dados finalizado, é necessário terminar o trabalho processando-se as obras digitais para que um software especial – um plugin gratuito para navegadores da internet –seja capaz de promover a interação 3D. Isso é o que possibilita ao internauta andar por entre as esculturas e olhar para todas as direções, explorando-as virtualmente. Para isso, foi empregado o software Unity (em sua versão de avaliação), o qual permitiu dispor harmoniosamente, no adro virtual do Santuário do Bom Jesus de Matozinhos, os 12 profetas de Aleijadinho, tal como podem ser apreciados em Congonhas, MG.
A equipe e o futuro do projeto
A equipe responsável por trazer a obra de Aleijadinho em formato 3D interativo para a internet é composta também pela historiadora Natália Gonçalves, e por cinco estagiários, alunos de graduação da USP: Yvan Fernandes, que está cursando Física no Instituto de Física de São Carlos (IFSC), e os estudantes de Ciências de Computação do ICMC Anayã Gimenes, Henrique de Castilho, Igor Baliza e Oscar Neto.
A presidente da Comissão de Cultura e Extensão do ICMC, Solange Rezende, destaca que o projeto trouxe contribuições para a formação desses alunos de graduação envolvidos nas atividades de pesquisa, viabilizando para a sociedade, consequentemente, oportunidade de acesso à cultura nacional sem sair de casa.
“Visualizamos nesse projeto a interface completa entre ciência (pesquisa), arte e divulgação. Hoje, é muito difícil imaginarmos a divulgação do conhecimento sem a utilização de recursos computacionais”, ressalta a diretora do Museu de Ciências da USP, Marina Yamamoto. Ela explica que o Museu desenvolverá futuramente uma exposição virtual a partir do material já existente no site com as projeções, ampliando as informações disponibilizadas ao público sobre a obra e a vida de Aleijadinho, o contexto histórico e a localização geográfica de sua produção. Yamamoto explica que, para isso, está coordenando um projeto curatorial, do qual participará também os professores Guilherme Andrade Marson, do Instituto de Química (IQ) da USP; Christina Rizzi, da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP; e Percival Tirapeli, do Instituto de Artes da UNESP; além da doutoranda Alena Marmo (ECA).
“Vamos oferecer aos vários segmentos de público, por meio da mostra virtual, novas possibilidades de visualização e de interação com as obras que, embora não substituam o contato com os originais, propiciam formas de estudo e de experiência estética tão importantes quanto o contato com as mesmas na realidade física”, ressalta Yamamoto. Segundo ela, tal experiência pode funcionar como um incentivo ao contato com os originais, um complemento à visita ao local onde as obras encontram-se instaladas ou até mesmo como uma forma de acesso para aqueles que encontram impossibilitados de deslocamento.
Assista neste link o vídeo com o cenário 3D do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos.