Déficit de atenção, hiperatividade, agitação e falta de concentração são fatores que dificultam o aprendizado e preocupam pais de alunos porque são problemas que atingem cada vez mais crianças e adolescentes em idade escolar. Uma experiência feita com o escargot em escolas públicas e privadas em Pirassununga, no interior de São Paulo, mostrou que o molusco da espécie africana Achatina fulica acalma a agitação das crianças. Através da observação do comportamento do escargot foi possível trabalhar várias questões éticas e de convivência entre alunos, como aceitação da diversidade e respeito a todas as formas de vida.
Iniciado em 2002, o projeto “Educando através dos animais: o papel da zooterapia no cotidiano de escolares” já atendeu cerca mil e quinhentos alunos e desde então vem utilizando bichos como coterapeutas para tratar crianças entre 6 e 16 anos com dificuldades relacionadas ao aprendizado escolar. O molusco foi escolhido para esta experiência por ser de fácil transporte e manejo e não oferecer risco às crianças. As atividades em sala de aula duravam, em média, 40 minutos e eram aplicadas a cada 15 dias por um período de um ano.
“A observação e o toque nos animaizinhos estimulam o relaxamento e a concentração”, explica Maria de Fátima Martins, coordenadora do projeto desenvolvido pelo Laboratório de Ensino e Pesquisa em Extensão em Zooterapia do Bem-Estar Animal e Helicicultura, da Faculdade de Medicina Veterinária (FMVZ) da USP, campus de Pirassununga. A convivência com o escargot proporciona o contato com ritmos mais calmos, a exemplo dos movimentos que os caracóis executam ao sair de suas carapaças. “A interação com os animais ensina o aluno a construir seu conhecimento alicerçado no respeito às diversas formas vivas”, explica.
A imagem, muitas vezes negativa, que se tem do molusco em algumas culturas levou a pesquisadora a trabalhar temas relevantes junto aos alunos, como preconceito e respeito às diferenças e ao meio ambiente. Em algumas regiões, eles são vistos como bichos estranhos e asquerosos, conceito que não se confirma em outros lugares, como é o caso da França e em outros países europeus que os servem (o gênero Helix aspersa) como iguaria em bares e restaurantes. Mesmo aqui no Brasil, alguns estudos da FMVZ já comprovaram o poder cicatrizante do muco extraído do escargot.
A responsabilidade de posse de um animal também foi outro item de interesse entre os alunos. Eles aprenderam que ter um pet é mais que um brinquedo de estimação; implica ter responsabilidade pelo cuidado com o bicho, incluindo oferta de alimentação e carinho, higiene, proteção e preparo de lugar adequado para ele viver. A criança, quando se propõe a cuidar de um animal, adquire confiança, responsabilidade e autonomia.
Zooterapia
Zooterapia é uma ciência que estuda as possibilidades terapêuticas do convívio entre humanos e bichos, que deixam de ser utilizados como companhia e de produção de trabalho, e passam a cumprir um papel de coeducadores e coterapeutas na implementação de conhecimento nas escolas e em terapias.
Nem todos os animais têm perfis zooterapêuticos. Eles precisam ser treinados e devem ser suscetíveis ao comando. No caso do escargot, ele foi escolhido para o projeto educacional pelo laboratório da FMVZ por apresentar comportamento que não afeta a segurança da criança. Cavalos, golfinhos, pássaros, gatos, coelhos, peixes, cães e tantos outros animais podem ser utilizados pela zooterapia como “poderosos catalisadores sociais”. Sigmund Freud, o pai da psicanálise, já utilizava um cão durante suas consultas para tranquilizar os pacientes e ajudá-los a expor melhor seus problemas. “O animal abre um canal de comunicação, quebrando barreiras”, relata a pesquisadora.
Além de coordenar o projeto de terapias com escargot, Maria de Fátima também criou o programa de pré-iniciação científica “Encurtando Distâncias”, voltado a alunos do ensino Fundamental e Médio de escolas públicas da região de Pirassununga, e também foi responsável pela implantação da disciplina Zooterapia no curso de Veterinária da FMVZ. A ideia é desenvolver projetos que atendam a comunidade externa à USP como forma de retorno de investimentos dos impostos e também contribuir para a formação de pessoas para serem agentes multiplicadores dessas ações.
Mais informações: (19) 3565-4163 e 3562-8841, email fmartins@usp.br
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