Filho da rua, a reportagem, veio à luz num caderno de 16 páginas no formato tabloide de Zero Hora e reensinou a velha lição de que jornalismo de qualidade, feito em profundidade, sobre temas relevantes e com rigor de apuração e texto, ganha os leitores e repercute nas consciências. A história de Felipe, que Letícia acompanhou por três anos, encarna a de tantos outros meninos e meninas de rua paridos pela sociedade quase que indiferentemente – mas virou tema de cartas e e-mails de centenas de leitores; de discussão entre vizinhos e colegas de trabalho;
de reuniões das autoridades.
Os 105 encaminhamentos ao Conselho Tutelar, nove encaminhamentos da Promotoria da Infância e da Juventude, sete internações para tratamento de dependência (sem contar a mencionada na abertura deste texto, já consequência da publicação da reportagem) e a inclusão da família em cinco diferentes programas sociais não conseguiram interromper a peregrinação do guri pelas ruas.
A reportagem levou agentes da área social da prefeitura e do governo estadual a se reunir para rever políticas, reelaborar estratégias e tentar costurar melhor a rede para atender a centenas de casos semelhantes. Levantamento oficial citado pela jornalista apontou que, em 2012, 440 crianças perambulavam pelas ruas da capital de 1,4 milhão de habitantes. Mesmo com os novos encaminhamentos que recebeu, Felipe segue se equilibrando numa corda bamba, como se verá adiante. Se voltar a cair, teme Letícia, talvez não haja rede suficiente a ampará-lo.
A repercussão e a qualidade do trabalho deram a Letícia Duarte alguns dos principais prêmios do jornalismo brasileiro no ano passado, como o Esso de Reportagem e o Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. O Esso, aliás, nem foi o primeiro: em 2002, com apenas 22 anos, ela venceu na categoria Regional Sul com uma série sobre adolescentes prostituídas, publicada no jornal caxiense Pioneiro, onde já trabalhava, ainda estudante de Jornalismo na Universidade de Caxias do Sul (UCS).