A longa gestação do Filho da rua foi um projeto acalentado por uma jornalista incomodada com questões que a atropelavam no cotidiano da editoria de Geral de Zero Hora, onde Letícia começou a trabalhar em 2003. “Uma coisa que me chamou a atenção, sempre que eu tratava de meninos de rua, era que todos tinham família. Eles não são da rua: têm uma casa para voltar”, diz. “Eu queria tentar entender em que momento esses laços se rompem, por que eles não voltam para casa e por que os programas sociais não conseguem resgatá-los.”
Aprovada a pauta pela chefia de redação como um dos projetos especiais do jornal, a repórter foi aos Conselhos Tutelares para procurar uma história representativa da situação. O caso de Felipe a apaixonou, explica, porque reunia vários elementos importantes: o guri tinha família e casa para voltar; sua mãe continuava procurando por ele; estava com 11 anos, faixa etária da maioria dos meninos de rua da cidade; passara por muitos encaminhamentos e programas, retornava para casa ou para a escola por curtos períodos, mas acabava sempre caindo na rua novamente.
Com autorização do Juizado da Infância e da Juventude, Letícia percorreu as 320 páginas de documentos compilados sobre Felipe desde 1998. Procurou também a mãe para explicar seu propósito e, com a concordância de Maria, saiu com ela em busca do guri. Em março de 2009, ao acompanhá-la na incerteza da Vila dos Papeleiros, Letícia já conhecia muito da vida de Felipe. Faltava conhecê-lo.
“Deus ajuda os bons repórteres”, diz a jornalista – e os bons repórteres, claro, precisam se ajudar também gastando sola de sapato. Depois da partida da mãe para Torres, Letícia esteve várias vezes na favela em que a família morava, a Vila Bom Jesus, zona leste da cidade, perguntando por Felipe a vizinhos e conhecidos. Finalmente ela o encontrou num dia de meados de abril em que o guri apareceu na antiga casa, já ocupada por outros moradores. Deus decerto ajudou, mas a repórter estava lá.
Letícia e o fotógrafo Jefferson Botega, que a acompanhou no percurso do Filho da rua, conversaram com Felipe ao longo da tarde e foram com ele de ônibus ao Centro. Destino: a Vila dos Papeleiros. Objetivo: o crack. No trajeto, Felipe foi ficando esquivo e não queria mais falar. Estava sem dinheiro para comprar as pedras. Já na favela, observou nas mãos do fotógrafo um isqueiro Zippo. “Pede para ver e sai correndo levando o objeto. Desaparece outra vez pelas esquinas, na escuridão das 20h. Já tem uma moeda de troca para as drogas”, descreve a reportagem.