Cerca de 90% das espécies de árvores da Mata Atlântica dependem das abelhas nativas sem ferrão para que possam se reproduzir. Isso porque são elas que realizam a polinização, levando o pólen de uma flor para outra e permitindo, assim, a fecundação e produção da semente.
Com o objetivo de apresentar essa importante espécie de inseto ao público, o Parque CienTec da USP recebeu no último sábado, dia 9, a palestra Abelhas Sem-Ferrão no dia-a-dia: uma visita aos seus ninhos. “Mesmo as espécies que não são efetivas na polinização têm um efeito naquelas que são, quando cruzam sua rota e as obrigam a mudar de caminho, fazendo com que visitem mais plantas”, explicou o palestrante Vanderson Cristiano de Sousa, mestrando pelo Instituto de Biociências (IB) da USP.
No Brasil, existem cerca de 300 espécies de abelhas sem-ferrão. As mais populares são as jataís, as irapuás (“abelhas-cachorro”), as jataís-da-terra, plebeias, e as mirins-preguiça. Os nomes são quase todos indígenas, o que leva algumas pessoas a chamarem as abelhas sem-ferrão de abelhas indígenas. “Os índios brasileiros tinham uma relação positiva com as abelhas, e existem registros de que eles colhiam o mel que elas produzem”, contou Vanderson.
Ninhos Organizados
Cada espécie constrói um tipo de ninho: em ocos de árvores, em antigos ninhos de formiga abandonados, no alto das árvores. “Quando uma colônia está muito forte, e é preciso fundar uma nova, as abelhas vão atrás de um novo local para construir um segundo ninho. Elas procuram locais onde possam construir a entrada oposta ao vento e, dependendo do tamanho do novo espaço, elas já sabem qual é a quantidade de recursos que vão precisar alocar”, explicou Vanderson. O biólogo também contou que algumas das espécies que constroem ninhos em ocos de árvores, como as jataís e as plebeias, se adaptaram bem ao meio urbano, porque podem construir ninhos em qualquer cavidade. No próprio Parque CienTec existem ninhos em um corrimão e em um muro. Mesmo assim, ele adverte que existem as espécies que não conseguem fazer esta adaptação, e mais do que nunca é importante preservar o meio ambiente em que vivem.
Os ninhos das espécies têm entradas típicas, que podem ser construídas de barro ou cera, produzida pelas próprias abelhas. Internamente, os ninhos guardam o alimento em estruturas chamadas potes e, no centro, ficam localizadas os favos de cria, onde a rainha deposita os ovos em células individuais. A célula só recebe o ovo quando já está cheia de alimento larval. São as operárias que constroem as células e preenchem a célula com alimento, estimuladas pela rainha, que fica ali perto. Cada espécie organiza os favos de cria de uma maneira, e eles podem estar dispostos de forma organizada, ou ainda formando cachos.
Os potes guardam polén ou mel. As abelhas sugam o néctar da flor e enzimas de seu aparelho digestivo processam esse néctar. Ao chegar na colmeia, elas regurgitam o néctar nos potes, onde ele perderá grande parte da água, transformando-se em mel. “Cada operária vive entre 20 e 30 dias e, no caso das abelhas indígenas, produz menos de uma colher de chá de mel em toda vida”, esclarece Vanderson. Esse processo precisa acontecer em temperaturas controladas e as operárias são também responsáveis pela manutenção das temperaturas. Para isso, elas batem as asas bem rápido, criando correntes de ar. Na colmeia, o mel é utilizado na alimentação das abelhas.
A organização do trabalho das operárias acontece a partir de sua idade. As abelhas mais novas ficam dentro dos ninhos, perto dos favos de cria, e ajudam as novas abelhas a nascerem. A partir dos seis dias de idade, elas começam a executar outros trabalhos “internos”, como construção de novos potes. Só a partir dos 20 dias de idade que elas saem dos ninhos e realizam as atividade campeiras.
O controle das operárias é exercido pela rainha a partir dos ferormônios, que são substâncias químicas liberadas por ela. Cada colmeia tem pelo menos uma rainha, mas, segundo Vanderson existem colônias com mais de uma rainha. Geralmente, as rainhas são as únicas abelhas que ovopositam na colmeia. “No caso das abelhas brasileiras, as operárias conservaram o abdômen com ovário, então elas podem ovopositar às vezes, e isso gera conflito”, diz Vanderson. Essas operárias, porém, não acasalam, então suas larvas serão sempre machos, por que são haplóides, isto é, carregam apenas uma parte dos cromossomos.
Ainda existem controvérsias sobre como acontece o surgimento de uma nova rainha. “Entre as abelhas sem ferrão, existem duas “tribos”, as Trigonini e as Meliponini. Acredita-se que, nas Trigonini, uma nova rainha surja em células de cria maiores e a larva que se tornará rainha recebe mais alimento. Entre as Trigonini, supõe-se que as novas rainhas sejam determinadas geneticamente”, explicou Vanderson.
Dia de ecólogo
Depois da exposição, o biólogo levou o público que estava assistindo a palestra para um passeio pelo Parque CienTec em busca dos ninhos das abelhas sem ferrão, em um “Dia de ecólogo”. Esse profissional estuda as relações ecológicas que ocorrem na natureza. Fazem parte de seu campo de trabalho as interações entre as espécies, populações e comunidades, e a relação delas com o meio a sua volta.
O último senso, feito entre 2007 e 2010, encontrou 83 ninhos de abelhas sem ferrão por todo o Parque. “Tal mapeamento é importante para elaborar ações de preservação das colônias”, observou o pesquisador.
No passeio foi possível observar as entradas típicas dos ninhos das abelhas preguiça-mirim e das boca-de-sapo, perceber como algumas espécies se adaptam bem ao ambiente urbano, construindo ninhos nos muros e corrimões do Parque e sentir na pele o mecanismo de defesa das abelhas tubuna. Como elas não têm ferrão, uma forma de irritarem outros animais e se defenderem é se enrolando nos pelos ou cabelos dos animais. Uma vez ali, elas liberam um odor que atrai as demais abelhas. Não chega a ser perigoso porque elas não têm ferrão, mas é algo que pode incomodar bastante a “vítima”.
A atividade atraiu um público variado: criadores de abelha, moradores da região e estudantes. Victor Carvalho, estudante do Ensino Médio, foi à palestra acompanhado pelo professor de ciências. Ele ainda não sabe se vai querer ser biólogo, mas contou que aprendeu bastante com a atividade. Valdete Alves da Silva e a neta, Gabriela, estavam visitando o Parque CienTec pela terceira vez. “Sempre morei na região e, até o ano passado, só tinha visitado o Zoológico e o Jardim Botânico. Participo das atividades do Parque porque gosto de aprender”, disse.