William Nunes / Revista Espaço Aberto
De acordo com dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), o Brasil gerou, no ano passado, mais de 76 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos. No entanto, apesar de muitos já saberem que buscar um destino correto para o lixo é uma das soluções, ainda é preciso percorrer um longo caminho para que essas medidas sejam alcançadas.
Desde o final do século 20, quando o assunto da sustentabilidade começou a vir à tona, estudos e ideias acerca da finalidade que podia ser dada aos resíduos sólidos passaram a ser discutidos. Devido a esta mentalidade, hoje podemos encontrar materiais feitos com resíduos de embalagens, pneus e até tecidos feitos com garrafas PET. “Mas existe uma diferença entre um resíduo que é reciclável e outro que é de fato reciclado”, diz a professora Lara Barbosa, do grupo de disciplinas de desenho industrial (GDDI) do Departamento de Projeto, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. “Não adianta ser produzido e comercializado como reciclável e ser descartado como resíduo comum ou mesmo não ser redirecionado para sua devida reciclagem ou local para degradação correta”, completa ela.
Eu costumava falar para os meus alunos que a nossa grade curricular é para ensiná-los a criar. E agora é a hora de ensiná-los a desmontar, desfazer, porque chegamos a um ponto insustentável.
Nesse sentido, é preciso que a situação dos descartes seja vista tanto de um viés legal quanto de um modo social, integrando leis e sociedade no mesmo círculo, além de desenvolver as técnicas de reaproveitamento. É o que defende a professora Maria Cecília Loschiavo, que ministra a disciplina de Design para a Sustentabilidade na FAU. “O lixo se tornou um assunto a ser tratado de modo social”, afirma. Para ela, precisamos encontrar um modo de reformar o nosso sistema, pois só aprendemos a contribuir para encher o mundo com novas coisas e novos objetos. “Eu costumava falar para os meus alunos que a nossa grade curricular é para ensiná-los a criar. E agora é a hora de ensiná-los a desmontar, desfazer, porque chegamos a um ponto insustentável”, diz.
No papel
Para se resolver a questão dos descartes, algumas medidas legais já têm sido tomadas, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), de 2 de agosto de 2010. As diretrizes aspiram a algumas metas que devem ser atingidas no País todo, como a gestão integrada, o gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos, até a integração dos catadores de materiais. Existem tentativas de contemplar o aspecto técnico de solucionar o problema do lixo. Recentemente, em São Paulo, foram implantadas duas novas Centrais de Triagem Mecanizada para resíduos secos que recebem material vindo da coleta seletiva e são mais 22 cooperativas conveniadas com a Prefeitura. Segundo Julia Moreno, diretora de Planejamento e Desenvolvimento da Autoridade Municipal de Limpeza Urbana de São Paulo (Amlurb), as cooperativas passarão a ser remuneradas e não apenas assinarão contratos.
No entanto, ainda existem as dificuldades nas questões sociais que envolvem tanto os catadores quanto toda a sociedade. A diretora conta que um dos principais obstáculos é moldar a mentalidade da população. “É um dos maiores ‘gargalos’ que temos. A adesão à coleta seletiva é muito baixa, talvez por conta de uma falta de credibilidade histórica do poder público.” Segundo ela, medidas nesse sentido já estão sendo tomadas e já existem trabalhos de comunicação social e educação ambiental para incentivar um melhor manejo do lixo.
A adesão à coleta seletiva é muito baixa, talvez por conta de uma falta de credibilidade histórica do poder público.
Quanto às políticas que envolvem os catadores, o professor e advogado Carlos Gouvêa, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (FD), diz que a redação da PNRS é muito vaga. Segundo ele, por um lado ela é moderna por dar maior liberdade aos estados e municípios, pois cada um tem suas peculiaridades. Mas, por outro lado, pode permitir uma interpretação e um plano de ação direcionados tendenciosamente para as grandes cooperativas, por exemplo. Infelizmente, a lei mencionou os catadores de materiais recicláveis 12 vezes, mas em nenhuma vez deu a este grupo nenhum direito efetivo”, afirma. “Não foi concedido nenhum benefício tributário ou verdadeira obrigação de incluí-los junto com suas organizações no processo de reciclagem.” Hoje, um dos maiores problemas pelos quais essas pessoas passam, além de questões técnicas, é o processo de formalização de pequenas cooperativas, que resulta no pagamento de impostos sem qualquer tipo de auxílio.
A diretora da Amlurb diz que o que existe na cidade de São Paulo é um Fundo de Logística Reversa e Inclusão de Catadores para beneficiá-los. Este seria um fundo privado com receitas advindas de outras cooperativas e coordenado por um grupo de nove conselheiros. O dinheiro seria utilizado para a capacitação, qualificação ou oferecimento de recursos de serviços e ferramentas, como contadores, advogados e equipamentos.
Eles precisam ser valorizados
Uma das peças principais no redirecionamento do lixo, os catadores de resíduos sólidos precisam de mais políticas públicas que os incentivem a prosseguir e ampliar o seu negócio. A professora Maria Cecília diz que “eles converteram a ideia em uma moeda”. Além disso, ela explica que não só os catadores, mas moradores de rua também transformaram os materiais descartados em uma fonte de design inovador espontâneo, que nasceu da sua própria necessidade de sobreviver. Este aspecto se reflete em barracas feitas de papelão ou ferramentas do dia-a-dia criadas a partir de outros materiais. “Há o caso de um grupo de moradores de rua que queria comemorar a Páscoa. Eles tiveram a ideia de coletar material no centro de São Paulo e vendê-lo. Com o lucro eles puderam dar uma pequena e modesta festa e foi quando eles perceberam que podiam fazer dinheiro a partir dos resíduos”, conta.
No que diz respeito à valorização desses trabalhadores, em 1999, a catadora Maria das Graças Marçal recebeu o 1º Prêmio da Unesco por trazer reconhecimento a essas pessoas e por ter criado a Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Recicláveis de Belo Horizonte. No entanto, para Sylmara Francelino, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), ainda há um caminho a se percorrer e atitudes a serem tomadas. Segundo ela, não têm sido construídas políticas que procurem resgatar nem o reconhecimento da população sobre os catadores, nem mesmo a capacitação deles para uma nova participação nesta cadeia. “A indústria da reciclagem é bilionária no Brasil e ela só existe porque existem os catadores. Isso acontece porque ela não os remunera. A cidade não está olhando para o valor do catador”, completa.