Paulo Hebmüller / Jornal da USP
A poucos dias do início da Copa do Mundo, a expectativa dos torcedores é grande quanto aos resultados dos jogos. Para a ciência, entretanto, a cerimônia de abertura, no próximo dia 12, reservará outra espécie de marco: o pontapé inicial da copa será dado por um jovem tetraplégico vestindo o exoesqueleto construído a partir do trabalho de Miguel Nicolelis, codiretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade de Duke, nos Estados Unidos.
Na conferência que proferiu no auditório da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) no dia 22 de maio, o presidente do National Institutes of Health (NIH) dos Estados Unidos, Francis Collins, qualificou como impressionante o trabalho do neurocientista brasileiro, desenvolvido numa iniciativa conjunta entre os dois países para criação de uma interface cérebro-máquina. Collins havia visitado Nicolelis no dia anterior e acompanhou treinamentos dos dois jovens selecionados para os testes – um deles será escolhido para a cerimônia de abertura. “Espero que, ao ver esse resultado, as pessoas não pensem que as coisas foram feitas da noite para o dia. Esse é o fruto de 20 anos de trabalho muito, muito pesado”, disse. “A pesquisa médica não é corrida de cem metros rasos, mas sim uma maratona.”
Outros exemplos de “maratonas” foram dados por Collins ao longo de sua conferência, intitulada “Genômica, tecnologia avançada e o futuro da medicina”. No auditório lotado (havia pessoas sentadas inclusive nas escadas), muitos professores e também um grande número de jovens. “Vejo muitos estudantes na plateia. Se vocês vieram aqui para saber se há futuro para a pesquisa médica, minha resposta é um retumbante sim”, disse. O pesquisador salientou que, em todos os lugares que visita, defende que os jovens cientistas desenvolvam habilidades em estratégias computacionais, porque muito do que será feito no futuro dependerá de saber manejar esses recursos.
Se vocês vieram aqui para saber se há futuro para a pesquisa médica, minha resposta é um retumbante sim.
Autor de livros como A linguagem de Deus e A linguagem da vida, o norte-americano liderou, de 1990 a 2003, o Projeto Genoma Humano, consórcio internacional para identificar os nucleotídeos que compõem o genoma da espécie. Em 2009, foi nomeado pelo presidente Barack Obama para dirigir o NIH, que reúne instituições de todo o país e é a maior financiadora de pesquisa na área médica no mundo.
Perguntas sem resposta
Para Collins, o Projeto Genoma, que foi concluído dois anos antes do prazo e gastou US$ 400 milhões a menos do que o orçamento previsto (“nosso Congresso ficou feliz, pois não está muito acostumado com isso”, brincou), permitiu não apenas o sequenciamento, mas o desenvolvimento de novos modelos e tecnologias. “Agora que decodificamos a sequência do DNA, há um grande esforço para buscar entender como ele funciona. São muitas as questões sem resposta”, explicou. Um dos projetos em andamento para procurar essas respostas é o Encode (sigla em inglês para Enciclopédia dos Elementos do DNA), que visa a formar um catálogo amplo dos elementos funcionais que controlam a expressão da informação genética numa célula.
Uma das consequências da informação já disponível é que se pode começar a identificar quais os fatores hereditários de riscos para doenças como diabetes, câncer, esquizofrenia, Alzheimer, autismo e doenças cardíacas, que não seguem um simples padrão hereditário. “Há cinco ou seis anos, tínhamos muito poucas ferramentas para investigar isso, e podíamos colocar em meia página o que sabíamos sobre a contribuição dos fatores de risco genéticos para essas doenças. Hoje temos um mapa muito maior das variações genéticas que podem estar potencialmente associadas, por exemplo, ao diabetes, que estudo em meu laboratório”, analisa. “Qualquer que seja o projeto em que as pessoas trabalhem em biologia humana, a genômica emergiu como uma ferramenta que permite manejar a pesquisa de uma forma que anteriormente não seria possível.”
Uma das revoluções em que as aplicações são particularmente poderosas é na pesquisa do câncer. “A capacidade de pegar um tumor individual e identificar quais as mutações presentes passou de hipótese a realidade. Isso provavelmente vai permitir que saiamos de um cenário de diagnóstico do câncer focado no órgão em que ele aparece para outro que reflita as mutações presentes naquele câncer”, afirmou. Para o cientista, provavelmente é muito menos relevante saber se se trata de um câncer de pulmão ou de próstata do que conhecer as mutações particulares do DNA que o estão provocando.
Entre outros projetos do NIH, Collins destacou a pesquisa avançada por meio de neurotecnologias inovadoras, a chamada Brain Iniciative, anunciada pelo presidente Obama há um ano. O projeto conjuga profissionais de várias áreas, como neurocientistas, eletrofisiologistas e neurologistas, para trabalhar em conjunto e avaliar de que forma o cérebro funciona.
De conhecer a tratar
Os avanços na genômica permitem que se conheçam as bases moleculares de mais de 5 mil doenças, embora para apenas 250 delas já existam tratamentos aprovados. “Nosso grande desafio e responsabilidade é transformar algo que conhecemos em algo que podemos tratar”, diz o cientista.
Francis Collins é um otimista. Ao final de sua conferência, citou uma frase do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry (“Sua tarefa não é de prever o futuro, mas sim de o permitir”) para dizer que, sempre que lhe perguntam como será o futuro da medicina, sua resposta é que não pode prevê-lo. “Mas acho que podemos concordar que será fantástico, e nosso trabalho é permiti-lo, é chegar a esse fantástico lugar em que teremos entendido as respostas para os mistérios da vida e teremos as respostas que as pessoas vêm esperando ansiosamente há tanto tempo para milhares de doenças. Estou certo de que, juntos, podemos conseguir isso”, concluiu.
Pesquisa da USP vai procurar tratamentos antifúngicos em insetos
Uma pesquisa envolvendo professores da USP foi aprovada na primeira chamada conjunta de propostas do NIH com a Fapesp. O trabalho, com prazo de cinco anos, vai analisar colônias de insetos sociais, como formigas, abelhas e cupins, para procurar identificar compostos ou produtos naturais que possam ter aplicação em terapias antifúngicas. Bactérias que vivem em simbiose com esses insetos os protegem de ataques de parasitas. “Não temos ideia de como isso funciona, mas podemos imaginar que devem haver alguns produtos naturais interessantes nessa interação particular”, disse Francis Collins ao anunciar o resultado da chamada na conferência na Fapesp.
“Nosso foco principal são os antifúngicos, pois existem fungos extremamente resistentes”, explica Mônica Tallarico Pupo, docente da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP e líder do grupo brasileiro da pesquisa. Possibilidades de terapias para câncer e outras doenças parasitárias, como mal de Chagas e leishmaniose, também estão no alvo do trabalho. A coleta dos insetos será feita em diversos biomas: Amazônia, cerrado, caatinga e áreas remanescentes de mata atlântica em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Outros dois professores da USP integram o grupo: Adriano Andricopulo, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), e Fábio Santos do Nascimento, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), além de André Rodrigues, do Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro. Pelo lado norte-americano, a pesquisa é liderada por Jon Clardy, da Harvard Medical School, com quem Mônica fez o pós-doutorado entre 2006 e 2007, ao lado de outros professores de Harvard e da Universidade de Wisconsin.