A ciência lança luz sobre grave problema de saúde pública que aflige autoridades no Brasil e no mundo, a sepse. Mais conhecida como infecção generalizada, trata-se de um conjunto de manifestações graves em todo o organismo produzidas por uma infecção. Segundo o Ministério da Saúde, a sepse é responsável por 25% da ocupação de leitos em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) no país. Atualmente, é a principal causa de morte nessas unidades.
Felizmente, as últimas respostas de laboratórios de pesquisa trazem importantes informações sobre o comportamento de bactérias durante ataque ao sistema imunológico. Em seus últimos estudos, o professor Dario Zamboni (foto), do Departamento de Biologia Celular e Molecular e Bioagentes Patogênicos da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, conseguiu identificar e testar uma proteína que é capaz de enganar o sistema de defesa e impedir o início do processo inflamatório. O que vale dizer que o organismo não reage a sua infestação.
Essa nova molécula, identificada pelo grupo de Zamboni e chamada IcaA (do inglês, Inhibition of caspase activation), já era conhecida da comunidade científica. Ela é produzida pela bactéria Coxiella burnetii, causadora de um tipo de pneumonia muito comum entre cuidadores de animais. É uma bactéria muito agressiva, pois uma única bactéria é capaz de infectar e deixar uma pessoa saudável doente, ao contrário da maioria das outras bactérias que só conseguem contaminar um organismo humano quando milhares de bactérias invadem o corpo.
A equipe de Zamboni mostrou nesse trabalho que, enquanto a Coxiella neutraliza a ação de defesa do sistema imunológico, a Legionella pneumophila (também causadora de um tipo de pneumonia em humanos) reage de forma totalmente diferente, ativando o sistema de defesa.
E, também, identificaram IcaA como uma das proteínas que a Coxiella utiliza para inibir a ativação do sistema imune. Através de engenharia genética, o gene que codifica a proteína IcaA em Coxiella foi introduzido na outra bactéria, a Legionella. O resultado foi a obtenção de um mutante da Legionella que, originalmente é uma bactéria altamente ativadora da inflamação, passou a produzir a proteína da Coxiella (a IcaA) e, ao contrário do que fazia antes, começa então a inibir a inflamação.
Esses resultados são considerados muito importantes porque contribuem para a compreensão da pneumonia causada pela Coxiella e podem ajudar a inibir processos inflamatórios. O professor comenta que, durante um processo infeccioso, um pouco de inflamação pode ajudar a controlar a infecção, mas muita inflamação pode matar o indivíduo infectado. E o que acontece durante a sepse, um excesso de inflamação, pode levar a pessoa à morte. Assim, Zamboni acredita que a descoberta da função da IcaA deve abrir portas para o desenvolvimento de uma droga “que utilize os princípios da proteína IcaA para inibir doenças inflamatórias, como por exemplo a sepse”.
O trabalho de Dario Zamboni acaba de ser publicado pela Nature Communications, uma das revistas científicas mais importantes do mundo.
A Coxiella burnetii
A bactéria Coxiella burnetti causa uma pneumonia, mais conhecida como “Febre Q”, em animais e também em pessoas que trabalham com eles, como estudantes de veterinária, veterinários e trabalhadores de abatedouros, por exemplo. Segundo Zamboni, é uma doença que não é tão rara assim; alguns estudos indicam que cerca de 2 a 15% de pneumonias atípicas podem ser causados por Coxiella. O problema é que no Brasil não se sabe exatamente o índice de doentes pois no país não se faz exames sorológicos de rotina para identificar a bactéria causadora da pneumonia.
Mas, o que intrigou o pesquisador foi a alta capacidade dessa bactéria se instalar no organismo e inibir o sistema imune para não gerar processo inflamatório. Ele diz que “a Coxiella entra na célula e produz várias proteínas”. E, agora pelos seus estudos, fica evidente que a IcaA participa dessa inibição do sistema imune, que é importante para deixar uma pessoa doente. Essa proteína “engana os macrófagos”, as células de defesa do organismo, “inibindo a ativação de uma molécula do sistema imune chamada caspase-11, que comprovadamente ativa a resposta imune contra bactérias.
Como já se sabe que muitos casos de sepse estão relacionados a uma ativação de caspase-11, a descoberta de uma proteína, como IcaA que pode inibir a caspase-11 é extremamente promissora.
Rita Stella e Crislaine Messias / Serviço de Comunicação Social da PUSP-RP
Mais informações: (16) 3315-3265