Nos últimos 25 anos, a Fapesp financiou 446 auxílios à pesquisa e bolsas sobre temas relacionados ao mosquito Aedes aegypti e às doenças por ele transmitidas.
Desses projetos, 76 ainda estão em andamento e 12 receberam, no último mês de dezembro, recursos adicionais para redirecionar parte das atividades à busca de respostas para problemas emergentes relacionados ao surto do vírus Zika em 2015.
No total, os aditivos aprovados somam cerca de R$ 550 mil. Todos os projetos são coordenados por pesquisadores que integram uma iniciativa informalmente chamada de Rede Zika e encabeçada pelo professor Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.
“Já há outros projetos em análise e certamente haverá um aumento no número de propostas que vamos receber ao longo do ano sobre esse tema, pois os pesquisadores paulistas não estão alheios ao que está acontecendo. O assunto Zika se tornou muito importante para o país e para o Estado de São Paulo”, avaliou Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação.
Em entrevista à Agência FAPESP, Brito Cruz ressaltou que a capacidade científica construída ao longo das últimas décadas por meio dos projetos apoiados – particularmente aqueles vinculados à Rede de Diversidade Genética de Vírus (VGDN) entre os anos de 2000 e 2007 – permitiu a rápida criação da Rede Zika.
“Com o apoio concedido para a criação da VGDN, foi instalada uma importante infraestrutura de pesquisa sobre vírus – inclusive aqueles do gênero Flavivirus, que compreende os causadores de Zika, dengue, chikungunya e febre amarela. Os laboratórios e as equipes continuaram suas pesquisas, a maioria com apoio da Fapesp. Com o aparecimento dos casos de Zika, os pesquisadores da rede, que vinham interagindo por razões científicas, reuniram-se e planejaram um esforço conjunto. O professor Zanotto apresentou à Fapesp , em meados de dezembro, a proposta para constituição da rede emergencial e solicitou as suplementações de recursos para 12 projetos de pesquisa em andamento. Aprovamos rapidamente esses aditivos, em dois ou três dias, considerando a relevância do problema a ser atacado”, contou Brito Cruz.
Leia a seguir outros trechos da entrevista com o diretor Carlos Henrique de Brito Cruz:
Como a Fapesp tem apoiado pesquisas relacionadas com o vírus Zika e suas complicações?
A capacidade do Estado de São Paulo de realizar pesquisa científica, seja básica ou aplicada, sobre temas relacionados ao Aedes e aos vírus a ele associados vem do esforço e do investimento que tem sido feito nos últimos 20 ou 30 anos na formação de pesquisadores e de uma infraestrutura capaz de tratar esse tipo de problema. Capacidade de pesquisa não é algo que se cria de uma semana para outra. Quando aparece uma epidemia relacionada a um vírus, não se pode esperar que um pesquisador consiga dar uma resposta significativa sem nunca antes ter lidado com o assunto. Podemos hoje falar em uma vacina tetravalente contra a dengue, por exemplo, porque em 2008 a Fapesp financiou um projeto de pesquisa para isso no Instituto Butantan. Em São Paulo, há um histórico de apoio à pesquisa que permitiu, em 2015, organizar muito rapidamente uma rede dedicada a tratar de vários aspectos da ciência necessária para se atacar o problema do vírus Zika. Todos os pesquisadores que integram a rede já tiveram projetos apoiados pela Fapesp. Além disso, no ano 2000, começou a ser estruturada a Rede de Diversidade Genética de Vírus (VGDN), cujo objeto era exatamente estudar e acumular conhecimento sobre vários tipos de vírus, inclusive os Flavivirus, gênero ao qual pertencem o vírus Zika, o vírus da dengue e o vírus da febre amarela. É um tipo de assunto sobre o qual é preciso haver conhecimento acumulado para usar quando necessário. Além do apoio aos pesquisadores e bolsistas, a Fapesp financiou vários tipos de equipamentos e a instalação de três laboratórios com nível de biossegurança 3 (NB3+) para pesquisa com vírus. Essa rede VGDN foi a que o professor Paolo Zanotto muito hábil e oportunamente mobilizou em dezembro de 2015, quando o assunto Zika começou a se tornar tema de alta relevância no Brasil. Já havia capacidade instalada na USP, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na Universidade Estadual Paulista (Unesp), no Instituto Butantan, no Adolfo Lutz, no Emílio Ribas, nos hospitais, na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp). Esses pesquisadores podem redirecionar a atenção e usar o conhecimento adquirido para tratar do assunto quando necessário, e é exatamente o que vem acontecendo.
Esse foi o caso dos aditivos concedidos para 12 projetos em andamento?
Exatamente. São 12 projetos que já estão sendo financiados e os pesquisadores perceberam que podiam, com uma quantia não muito grande de recursos, redirecionar certas atividades para descobrir respostas relevantes para alguns dos problemas que emergiram com o vírus Zika. Esses aditivos foram solicitados para a Fapesp em dezembro e foram aprovados em dois ou três dias. Foi rápido, pois consideramos a emergência do assunto. Mas, claro, o fato de termos aprovado esses aditivos não significa que outros pesquisadores do Estado de São Paulo não possam apresentar novos projetos sobre esse assunto. A Fapesp é uma das poucas agências de financiamento do mundo que aceitam receber solicitação de financiamento a qualquer momento do ano. Ao mesmo tempo, há uma exigência de qualidade da pesquisa apoiada com os recursos dos contribuintes, compromisso este que fica mais rigoroso ainda quando se trata de um assunto tão importante para a saúde pública. Um aditivo pode ser aprovado rapidamente porque o projeto já passou por análise antes e teve a qualidade avaliada.
Dos 444 auxílios e bolsas já concedidos pela Fapesp para pesquisas sobre Aedes, dengue e chikungunya, cerca de 76 estão atualmente em andamento. Quais aspectos são abordados nesses projetos?
Vacinas, técnicas para sorologia, controle do mosquito, mecanismos celulares em virologia e muitos outros temas. Alguns dos projetos abordam o controle do vetor com resultados importantes, como os obtidos com o uso de mosquitos transgênicos. Há pequenas empresas apoiadas para desenvolverem inseticida biológico, repelentes e sensores para sorologia rápida. No momento há, é claro, especial interesse num conjunto de esforços dos pesquisadores para tentar elucidar a relação entre o vírus Zika e a microcefalia. Talvez esse seja um dos elementos mais importantes nesse momento. O registro de casos de microcefalia e sua possível relação com o vírus Zika fez com que o tema ganhasse relevância para a população brasileira e, como se pode ver nas notícias, para o mundo todo. A elucidação por meio da ciência dessa relação é algo de primeira linha, que precisa ser tratado. Outro projeto que promete resultados muito importantes é o de estudo epidemiológico da dengue, na região de São José do Rio Preto.
Dos projetos já concluídos, quais podem ser destacados?
A vacina tetravalente contra a dengue, que já não é mais objeto da pesquisa científica, está atualmente em fase de testes clínicos e com boas chances de passar nos testes.
Qual é exatamente a relação da Fapesp com a Rede Zika?
Até este momento a relação da Fapesp foi criar a possibilidade de a rede existir, quando em 2000 financiou a VGDN e, na última década, financiou cada um daqueles pesquisadores que integram a rede e seus bolsistas. E porque a Fapesp reconheceu e recebeu de maneira favorável a ideia e a solicitação do Zanotto de montar essa rede inicialmente com esses aditivos.
A Rede Zika se limita a pesquisadores de São Paulo ou pode incluir parceiros de outros Estados e outros países?
Eles estão procurando essas parcerias. As colaborações são muito importantes, especialmente nesse tema, pois a maioria dos casos está em Pernambuco, Sergipe e Alagoas. Seria desejável que os pesquisadores aqui de São Paulo colaborassem com esses lugares para terem acesso aos casos, aos dados, ao material biológico necessário para fazer análises. E em relação à parceria com outros países, a Fapesp já criou caminho para que isso aconteça.
De que forma?
Temos um importante acordo para cofinanciamento de pesquisas com o National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, por meio do qual qualquer pesquisador em São Paulo pode se associar a um pesquisador norte-americano, escrever uma solicitação de financiamento e apresentar ao NIH. Eles nos comunicam e analisamos em conjunto. Temos o mesmo tipo de acordo com o Medical Research Council do Reino Unido e os demais conselhos de pesquisa britânicos. Esses dois caminhos estão abertos. E temos ainda o mesmo tipo de colaboração com a Comunidade Europeia. Não podemos esperar a crise para começar a montar esse tipo de instrumento, pois demoraria pelo menos um ano.
Já foram submetidos novos projetos de pesquisa focados no vírus Zika?
Já há novos projetos em análise e certamente haverá um aumento no número de propostas que vamos receber ao longo do ano sobre esse tema. Os pesquisadores paulistas são sempre muito conectados aos acontecimentos e sabem que o tema “vírus Zika” se tornou muito importante para o país e para o Estado de São Paulo
A Fapesp vai dar algum direcionamento a essas pesquisas?
Neste caso, o direcionamento já está sendo dado pelos pesquisadores que compõem a rede e por suas instituições. A Fapesp pode contribuir com a experiência na operação de redes de pesquisa e facilitar a interação com a Secretaria de Estado da Saúde e com organizações estrangeiras. O grande desafio, especialmente nesse caso do combate ao vírus Zika, é como tornar a conexão entre o conhecimento e sua aplicação muito mais ágil. Além disso, a Fapesp está fazendo com as universidades e demais instituições de pesquisa um trabalho para articular esses pesquisadores de modo que se consiga maximizar o efeito positivo da interação entre eles. É essencial que haja o compartilhamento de resultados, de equipamentos e de infraestrutura. A Fapesp já tem feito isso em outras áreas, como bioenergia, biodiversidade, genoma, mudança climática, a própria rede VGDN. Estamos justamente na fase de discutir com os pesquisadores os itens da pauta temática, identificando os três ou quatro problemas que devem ser atacados primeiro e quais devem ser os seguintes. Tivemos uma reunião com as pró-reitorias de pesquisa da USP, da Unicamp e da Unesp, além de pesquisadores e representantes dos institutos Butantan, Adolfo Lutz e Emílio Ribas e da Famerp, que também tem uma capacidade muito boa de pesquisa em temas relacionados a essa questão.
As pesquisas na área da saúde recebem em torno de 30% dos financiamentos da Fapesp. Quais as dificuldades para que os resultados desses projetos sejam aplicados? É o perfil da instituição de pesquisa, a característica do próprio projeto ou uma decisão política?
Uma parte enorme dos resultados de pesquisa na área da saúde é usada de imediato, pois os mesmos pesquisadores que realizam essas pesquisas atendem e coordenam o atendimento de pacientes nos hospitais, como o Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), no Hospital Universitário (HU) da USP, no Hospital de Clínicas da Unicamp, no Hospital das Clínicas de Botucatu (Unesp) e outros. Eles estão aprendendo e fazendo atendimento médico melhor já no dia seguinte ao que obtiveram resultados em suas pesquisas, pois é uma das áreas em que a interação para a chegada do resultado da pesquisa ao atendimento é mais orgânica. Essa intensidade de pesquisa contribui decisivamente para aumentar a qualidade do atendimento à saúde em São Paulo, tanto em hospitais públicos como particulares. Em outro front, que é o de desenvolvimento de drogas e protocolos, a intermediação de órgãos públicos ou empresas é fundamental e os pesquisadores em São Paulo, suas instituições e a Fapesp buscam incessantemente as oportunidades.
O que podemos esperar para os próximos anos em termos da aplicação dos resultados das pesquisas em andamento?
O fato de haver na Rede Zika instituições de pesquisa ligadas à Secretaria de Estado da Saúde, como é o caso do Instituto Butantan, ajuda a agilizar a aplicação dos resultados. É importante ter em mente que o Estado de São Paulo tem um sistema de saúde bem organizado. A Secretaria de Estado da Saúde tem um funcionamento institucional muito bom, um sistema de coleta de dados, informações e análise de dados que trabalha de forma muito próxima com os institutos de pesquisa. Isso cria um ambiente no qual é possível obter mais resultados em menos tempo. O desafio é grande e com pesquisa de excelente qualidade, persistência e prudência os primeiros resultados logo serão notados.
O vídeo da entrevista pode ser visto neste link.
Veja a relação de projetos apoiados pela Fapesp na Biblioteca Virtual-FAPESP.
Karina Toledo e Samuel Antenor / Agência FAPESP