Morte por AVC é maior na zona urbana de cidade do Amazonas

No município de Coari, interior do Amazonas, o Acidente Vascular Cerebral (AVC) foi motivo de 14% das mortes de pessoas com mais de 35 anos, entre 2003 e 2010.

Lara Deus / Da Agência USP de Notícias

No município de Coari, interior do Amazonas, o Acidente Vascular Cerebral (AVC) foi motivo de 14% das mortes de pessoas com mais de 35 anos, entre 2003 e 2010. De todos os atingidos pelo derrame na cidade em 1 ano, cerca de 35% morreram em até um mês após a ocorrência. Estes são resultados do estudo do fisioterapeuta Tiótrefis Gomes Fernandes, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), que também comprovou a maior mortalidade entre os moradores da área urbana, quando comparados aos ribeirinhos, da zona rural, além da alta taxa de prejuízo neurológico. A pesquisa buscou também os casos não hospitalizados, já que, na região, há dificuldades de acesso ao tratamento.

Os hábitos de vida diferentes dos moradores das duas áreas podem ter sido determinantes para esta diferença. Os ribeirinhos costumam viver de agricultura familiar e pesca de subsistência, não entrando em contato com fatores que tendem a aumentar as chances de um AVC ocorrer ou de morte pela doença. “Essa rotina bem mais simples, com menos contato com a vida urbanizada, tanto de ritmo de trabalho que pode gerar mais estresse, quanto de tipo de comida, industrializada e mais rica em gordura, pode acarretar menores fatores de risco para doenças cardiovasculares, dentre elas o AVC, e seus desfechos”, explica Fernandes.

A pesquisa foi feita em três etapas. A primeira delas foi o acompanhamento dos casos da doença registrados de outubro de 2010 a setembro de 2011 (23, no total) no Hospital Regional de Coari, único no município de cerca de 77 mil habitantes. O fisioterapeuta observou cada paciente e concluiu que 35% das pessoas morrem em até um mês após o derrame, e ressalta: “percebemos uma alta letalidade nesta população por AVC em comparação com outras do Brasil e também de fora do país”. O perfil mais comum dos acometidos pela doença era de homens, pardos, sem estudo formal e com renda de um a dois salários mínimos. A idade média destes pacientes era de 73 anos e quase a totalidade (95,7%) apresentava hipertensão. Nesta fase, foi possível perceber que o AVC causou grave comprometimento neurológico em 73,4% dos casos.

Maior a idade, maior o risco

Foi feita também a análise dos dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), de 2003 a 2010 no município, concedidos pelo Ministério da Saúde. Eles revelaram que 14% das mortes da área foram em decorrência do AVC e confirmaram que o risco da morte pela doença aumenta quanto maior a idade da pessoa. Fernandes conta que, na zona rural “tendo algum problema de saúde, você tem que colocar alguém no barco, andar horas e horas no rio até chegar ao hospital”. Mesmo assim, 62,5% dos óbitos registrados pela doença ocorreram durante internação. A partir destas informações, Fernandes concluiu que, proporcionalmente, a população urbana é a que mais registrou mortes decorrentes do derrame.

A busca de casos na comunidade, terceira etapa do estudo, foi realizada para se ter a dimensão da doença na população. “Isto é feito porque nem todos os casos de AVC chegam ao hospital”, afirma o fisioterapeuta. Questionário sobre sintomas do AVC foi aplicado para a população de risco, que consiste naqueles com mais de 35 anos. Foi encontrada maior quantidade de casos de AVC na comunidade entre os ribeirinhos do que na área urbana, talvez pelo efeito de maior sobrevida na área rural. Mesmo assim, houve altas prevalências no município como um todo. O fisioterapeuta conta que seu orientador, Paulo Andrade Lotufo, aplicou a mesma metodologia em um estudo epidemiológico em região do bairro do Butantã, na cidade de São Paulo. Na capital paulista, ao contrário da cidade amazonense, a fase de procura de casos na comunidade encontrou mais dificuldade do que a etapa hospitalar que, segundo Fernandes, “foi muito boa, porque existia um controle muito bom no próprio hospital, até mesmo na qualidade da atenção”.

“Se fala muito da região amazônica, do potencial, mas pouco se estuda a questão social e a implicação destas diferenças culturais e sociais nos problemas de saúde daquele povo”, ressalta o fisioterapeuta, que é professor na Universidade Federal do Amazonas. Ele defendeu sua tese de doutorado A epidemiologia da doença cerebrovascular em populações ribeirinha e urbana na Amazônia brasileira: o estudo de morbidade e mortalidade do acidente vascular cerebral na cidade de Coari-AM (EMMA-Coari) em janeiro deste ano.

Mais informações: email tfernandes@hu.usp.br, com Tiótrefis Fernandes

Scroll to top