Paloma Rodrigues / Agência USP de Notícias
O Asilo de Órfãos da cidade de Santos, no litoral sul do estado de São Paulo, teve uma importância significativa na história do município. “O Asilo foi chamado de ‘meninas dos olhos da cidade’ por Vicente de Carvalho [escritor e político santista] e se tornou um ponto de referência para os cidadãos em diversos momentos”, diz a educadora Marina Tucunduva Bittencourt Porto Vieira, da Faculdade de Educação (FE) da USP. A pesquisadora estudou a história do Asilo entre os anos de 1908 e 1931 para sua pesquisa de doutorado. O local abrigava crianças entre 2 e 12 anos e chegou a ter 350 internos.
Dentre esses momentos, a pesquisadora cita a gripe espanhola, que atingiu milhares de pessoas ao redor do mundo em 1918, quando o Asilo ajudou a prefeitura a servir refeições para população. E também na Revolução Constitucionalista de 1932, quando abrigou filhos dos combatentes.
O Asilo foi fundado em 1889 e no início de seu funcionamento recebia muitas doações, que permitiam que ele mantivesse seu quadro de funcionários. Com o passar do tempo, as doações foram diminuindo. Em 1909, a instituição pediu o auxílio das religiosas da Congregação do Puríssimo Coração de Maria, que substituíram parte do quadro de funcionários.
“As irmãs tinham como objetivo a formação religiosa dos internos e introduziram uma dinâmica muito específica para o local: eles tinham aula de religião, que ficava a cargo do capelão, frequentavam as missas e os convidados eram, quase que exclusivamente, ligados à Igreja Católica. Eram as irmãs quem decidiam o que, como e quando ensinar.”
Mudanças
A hegemonia das freiras acabou quando Victor de Lamare, engenheiro e funcionário da Companhia de Docas de Santos, assumiu a diretoria. De Lamare foi reeleito sucessivamente e permaneceu no cargo por 35 anos, entre 1910 e 1945, quando se aposentou por motivo de doença. As eleições eram anuais e quem decidia o novo diretor eram os colaboradores do Asilo.
De Lamare implementou aulas de educação doméstica para as meninas, que antes eram induzidas a entrar para a Congregação, apenas. Essa foi uma mudança positiva, já que as garotas passaram a fazer o ensino seriado e muitas conseguiram seguir para o magistério. “Algumas retornaram para lecionar no próprio Asilo.”
Outra mudança foi o regimento das missas: as irmãs passaram a ter de solicitar a realização dessas celebrações católicas e não mais marcá-las nos dias e horários que fossem de suas escolhas. “No livro das irmãs e nos documentos analisados, fica bastante claro que foi um período tenso e as mudanças não agradaram. As irmãs perderam autonomia e isso gerou diversos momentos de insatisfação.”
Em 1909, foi preparado um contrato onde a regulamentação do Asilo passava a ser feita inteiramente pelo presidente da Associação Fundadora, ou seja, Victor de Lamare. As irmãs se tornaram, então, apenas funcionárias que teriam de respeitar o regimento.
Com o tempo, a nova proposta passou a ser melhor aceita pelas irmãs. “O que antes era uma briga, passou a ser um entendimento. O presidente gradualmente modificou sua postura com relação à Igreja e passou a conviver com as autoridades religiosas que frequentavam o Asilo”. Foi nesse período que eles receberam a primeira visita de um bispo na cidade de Santos. O presidente ofereceu a capela da instituição, já que não havia outro local na região onde uma missa pudesse ser celebrada.
Nesse período, o Asilo ficou muito mais aberto à cidade e passou a participar mais ativamente da história de Santos. O local era motivo de orgulho para todos os cidadãos, que gostavam de ser conhecidos por “Santos, terra da liberdade e da caridade”. Começaram a receber mais figuras políticas, novos prédios foram construídos e os internos passaram a dormir em um edifício e estudar em outro, logo ao lado.
Em 1902, o número de internos era de 150 e havia a necessidade de se diminuir essa quantidade para 70 — o que foi feito em 1904 —, o que era incompatível com a demanda da época. Já em 1939, a capacidade estimada já era de 350 internos, graças aos novos prédios, aos novos pedidos de mobília e a regularidade das finanças.
Marina baseou sua pesquisa, O Asilo de Órfãos de Santos na engrenagem da cidade (1908-1931), nas atas das reuniões da diretoria, nos itens de matrícula dos órfãos e nos jornais e documentos da época, além do livro de registro das irmãs. A pesquisa foi orientada pela professora Marta Maria Chagas de Carvalho, também da FE.
O Asilo segue funcionando e abrigando órfãos da cidade de Santos e região, mas seu perfil se alterou bastante nas últimas décadas. As irmãs da Congregação do Puríssimo Coração de Maria não atuam mais no local.
Mais informações: email marinavieira@usp.br