Embora a realidade das favelas em São Paulo ainda esteja longe do ideal, muitos dos moradores das comunidades são capazes de enxergar nela aspectos positivos e sentem orgulho de morar nesses locais. A exposição Cidade Vivida | Cidade Sonhada, em cartaz na Tenda Cultural Ortega y Gasset da USP, reúne em desenhos feitos por crianças de Paraisópolis um pouco deste universo de contradições que povoam o espaço da favela.
Os desenhos são resultado do estudo de caso feito pelo arquiteto Eduardo Pimentel Pizarro em sua dissertação de mestrado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. A atividade foi desenvolvida com crianças do Centro Educacional Unificado (CEU) de Paraisópolis, estudantes do 4° ano do Ensino Fundamental. Foi solicitado às crianças que desenhassem numa “tela”, uma folha com 1m² de área divida em duas partes, de um lado a cidade onde moravam e, do outro, a cidade onde gostariam de morar.
A exposição foi inaugurada no dia 17 de maio com um debate que contou com a presença dos arquitetos Marcos Rosa e Marcos Bondarini, as pesquisadoras Patrícia Samora e Joana Gonçalves, o jornalista e ex-morador de Paraisópolis, Vagner de Alencar, e da Coordenadora de Urbanização de Paraisópolis, Maria Tereza Fedeli. As crianças autoras dos trabalhos também participaram da abertura da exposição.
“Um dos grandes objetivos da pesquisa, desde o início, era não deixar apenas uma dissertação para consulta na biblioteca, principalmente porque o estudo de caso envolve uma comunidade, e pretende dar algumas respostas para aquelas pessoas. A intenção era entender a vivência naquele espaço e contribuir para sua melhora”, afirma o pesquisador.
Segundo Pizarro, os desenhos das crianças tocam em aspectos urbanos, o que é interessante para a pesquisa, mas, em diversos momentos, trazem também insinuações sociais. Em um dos trabalhos, por exemplo, uma menina desenhou um ponto de consumo de drogas perto da sua casa. Já na parte da “cidade sonhada”, ela retrata prédios próximos um dos outros com muitas janelas. Uma outra criança não definiu se gostaria de viver em uma casa ou apartamento, mas pensou que os dois poderiam coexistir em situação de igualdade e, por isso, desenhou uma casa nas proporções de um prédio.
A mesa concordou que a cidade vivida de Paraisópolis, segunda maior comunidade paulistana, está muito próxima da cidade sonhada, e que os problemas de moradia devem ser resolvidos com o mínimo de intervenção, buscando criar condições dignas de habitação e manter as ricas relações já estabelecidas nessas comunidades.
A cidade informal como modelo
Eduardo é formado pela FAU e, logo após deixar a graduação, ingressou no mestrado, buscando desenvolver o tema da urbanização das favelas. Na pesquisa, orientada pela professora Joana Gonçalves, ele parte do princípio de que as favelas da cidade de São Paulo são uma realidade consolidada. “Não é possível desconsiderar, esconder ou demolir”, diz o arquiteto.
Para Pizarro, a sociedade, a academia e o poder público devem buscar, de forma conjunta, compreender o que é uma favela e, a partir disso, pensar como é possível qualificá-la de outra forma. A favela e os espaços não construídos possuem muitas carências de estrutura, acesso a iluminação e ventilação, entretanto, possuem também muitos potenciais e oportunidades latentes.
A princípio, a cidade que a maioria da população habita é a dita formal, e as favelas são consideradas informais. Entretanto, em sua pesquisa, Pizarro compara os espaços não habitados das duas situações e conclui que os espaços da cidade informal podem ser muito mais ricos. Para exemplificar, o pesquisador cita o costume de sentar-se na calçada em frente à moradia. Para essas pessoas, aquele espaço não é só uma passagem, mas também um ambiente de vivência social. “Há carências, há potências. O objetivo da pesquisa é identificar os potenciais e pensar em como eles podem ser melhorados, e como a cidade informal pode ser um modelo para a formal em algumas instâncias”.
Serviço
A exposição Cidade Vivida | Cidade Sonhada pode ser vista até dia 31 de maio na Tenda Cultural Ortega y Gasset da USP, localizada na Praça do Relógio, Rua do Anfiteatro s/nº, na Cidade Universitária. No dia do encerramento, às 14 horas, será promovido um debate aberto ao público.